Em comparação a outros setores da economia, a pandemia não alterou significativamente o cronograma da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Em novembro de 2020, a empresa anunciou o 7º Plano Diretor da Embrapa, com foco na modernização da agricultura para minimizar os efeitos das mudanças climáticas e na redução de insumos químicos para controle de pragas. “Apostamos na bioeconomia e na exploração de recursos genéticos para expandir as frentes agrícolas”, relata Guy de Capdeville, engenheiro agrônomo e diretor de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa.
Segundo ele, a pandemia levou à quebra de alguns acordos com empresas privadas, mas praticamente não houve contingenciamento de verbas. “Desenvolvemos um gerenciamento de crise, com revezamento de técnicos em campo. Tivemos um orçamento de R$ 3,5 bilhões em 2020, cerca de R$ 200 milhões superior ao de 2019. Para 2021, é o mesmo valor. Os recursos vêm do Tesouro e da captação em parcerias privadas. A maior parte vai para o pessoal. Temos 8,5 mil funcionários, dos quais 2,2 mil são doutores e especialistas.”
As metas do 7º Plano Diretor contemplam oito prioridades em pesquisas: bioeconomia, inteligência territorial, agricultura digital, mudanças climáticas, sanidade agropecuária, desenvolvimento territorial produtivo, sustentabilidade com competitividade, consumo e agregação de valor aos produtos do agronegócio. “Em gestão organizacional, priorizamos a modernização com aumento de eficiência e racionalização dos custos internos”, detalha o engenheiro agrônomo.
Até 2023, a Embrapa pretende que até 40% dos projetos sejam em conjunto com a iniciativa privada. Em 2020, a taxa foi de 17,3%. O diretor acredita que as relações entre Brasil e Estados Unidos voltarão ao que eram antes do período Trump, com valorização do setor sucroalcooleiro e do biodiesel. “Já o presidente francês Emmanuel Macron, ao criticar o desmatamento na Amazônia, esqueceu de mencionar os interesses escusos externos na região”, critica ele. A Embrapa conta com nove unidades na Amazônia Legal, das quais seis ficam no miolo da floresta. “Desenvolvemos trabalhos de mapeamento do desmatamento e formamos parcerias com agricultores familiares. Mesmo assim, sofremos ataques infundados”, lamenta Guy de Capdeville.
O agronegócio brasileiro é mundialmente reconhecido pela sua pujança, sobretudo nos setores de soja, café e sucroalcooleiro. Segundo os dados mais recentes da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio atingiu 19,66% até novembro passado, o que pode configurar um recorde histórico quando forem divulgados os números de dezembro. Por trás do sucesso, existe o empenho e a criatividade da Embrapa, que há 47 anos desenvolve pesquisas inovadoras na agricultura e na pecuária nacionais.
A seguir, Problemas Brasileiros destaca quatro pesquisas desenvolvidas com tecnologia de ponta que em breve serão disseminadas entre os produtores. São iniciativas que envolveram, em média, entre quatro e cinco anos de trabalho de equipes de agrônomos e técnicos para criar soluções sustentáveis voltadas ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, eficientes para o crescimento do agronegócio.
Nunca a velha máxima a respeito de que do porco tudo se aproveita se manifestou tão verdadeira. Iniciada em 2010 pela Embrapa Aves e Suínos, a tecnologia Sistrates [Sistema de Tratamento de Efluentes da Suinocultura] consiste na remoção do carbono, nitrogênio e fósforo dos dejetos do porco por meio de um sistema de biodigestores instalados em uma granja. Com isso, se obtém biogás, fertilizante e água de reuso. “É uma tecnologia indicada para granjas de produção intensiva, de grande porte, com limitação de área agrícola para despejo dos dejetos ou efluentes ou que tenha necessidade de reuso de água”, diz Airton Kunz, pesquisador da Embrapa Suínos e Aves.
Até o momento, a tecnologia vem sendo aplicada apenas na granja São Roque, do Grupo Master, em Videira (SC). A granja conta com 11 mil matrizes e os resultados têm sido satisfatórios. “Antes do Sistrates, fizemos algumas experiências que não atenderam às normas de segurança ambiental. Hoje, apenas com a geração de biogás conseguimos abastecer 50% das necessidades da granja”, revela Cleonei Gregolin, gerente de Projetos e de Meio Ambiente do Grupo Master. Hoje, o fósforo gerado pela fermentação dos dejetos é usado unicamente nas áreas de lavoura e reflorestamento da granja, mas a intenção é aproveitá-lo comercialmente. Segundo Gregolin, o investimento em parceria com a Embrapa foi de R$ 3 milhões e pode ser replicado, conforme a necessidade em outras unidades do grupo.
Alimentação de suínos na granja São Roque, do Grupo Master, em Videira (SC)
No Brasil, os solos avermelhados das regiões quentes e úmidas possuem baixa concentração de fósforo, o que obriga os produtores a adicionarem fertilizantes químicos, em sua maioria importados da China e do Marrocos. O que poucos ainda sabem, é que a solução pode estar bem mais próxima, na nossa Floresta Amazônica. Pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente descobriram que o fungo Trichoderma, achado no solo da mata amazônica, é capaz de atuar junto à molécula lignina (coletada da celulose) e assim estimular o fósforo para o crescimento das plantas. Esse fenômeno explica a densidade da Floresta Amazônica, que se mantém mesmo em um terreno árido e pobre em fósforo.
Em laboratório, os pesquisadores isolaram a estrutura do Tricoderma e o transformaram em um biofertilizante para culturas agrícolas. As primeiras experiências foram com a soja, mas a intenção é ampliá-lo para hortaliças, milho e feijão. “O objetivo é reduzir a dependência dos fertilizantes químicos. Por ser matéria orgânica, ele se multiplica no solo. O fungo utilizado é abundante na floresta amazônica e não causa a contaminação dos lençóis freáticos”, afirma Itamar Melo, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente.
O projeto teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Por enquanto, ainda não surgiu uma empresa interessada em desenvolver comercialmente o biofertilizante. “Mas já estamos recebendo sondagens”, observa Melo.
Com base em estudos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), estima-se que o Brasil desperdice cerca de 26,3 milhões de toneladas/ano, quantidade suficiente para alimentar 13 milhões de pessoas. Boa parte deste volume se deve ao amadurecimento precoce de frutas, legumes e hortaliças, que são jogados no lixo antes de serem consumidos ou vendidos no comércio. Para reduzir os desperdícios, pesquisadores da Embrapa Instrumentação criaram o nanosensor Yva (fruta em tupi-guarani), com técnicas associadas de nanotecnologia e inteligência artificial. O sensor é similar a uma etiqueta de código QR colocada na fruta e pode ser lido por meio de um aplicativo de celular. O sensor detecta a liberação do etileno (hormônio que atua no amadurecimento das frutas) e varia por meio de cores, indo do roxo (mais verde) ao marrom (maduro). “Pode ser usado tanto pelo produtor, na colheita, como no comércio varejista, por grandes redes”, explica Marcos David Ferreira, pesquisador da Embrapa.
O nanosensor está em fase de testes finais na empresa Siena Company, de Campinas (SP), responsável pelo software e pela produção da etiqueta – o sensor em pó é aplicado na gráfica, no momento da impressão da etiqueta com o código QR. Segundo a engenheira Ana Elisa Siena, sócia da Siena Company, a novidade já atraiu o interesse de uma cooperativa de abacateiros de Bauru (SP), da rede Carrefour e até da produtora de bananas Chiquita, dos Estados Unidos. As etiquetas já estão validadas para aplicação em manga e mamão. O próximo passo da Siena é fazer testes com caqui e banana, ainda este ano.
Sistrates – Águas residuais antes e depois do processo tratabilidade dos efluentes da suinocultura
O nome Arbolin ainda é desconhecido no meio agropecuário, mas a tendência é que se torne cada vez mais familiar em curto espaço de tempo. Desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Hortaliças e alunos da Universidade Nacional de Brasília (UNB), já começou a ser comercializado pela empresa baiana de nanotecnologia Krilltech, formada por ex-alunos da UNB, na região metropolitana de Salvador. A Krilltech já foi avaliada pela Ordem dos Economistas do Brasil como um potencial “unicórnio” [valor de mercado acima de R$ 1 bilhão], em função do ineditismo do negócio.
Criada com o nome Krill 32, a tecnologia resulta da criação de nanopartículas bioestimulantes por meio da modificação térmica do carbono, processo que eleva a taxa de fotossíntese das plantas, provocada pela molécula arbolina (daí o nome da marca) e acelera o seu crescimento, agindo como um biofertilzante.
“Apenas um litro de Arbolin é o suficiente para pulverizar 25 hectares. O preço será acessível aos pequenos produtores. Hoje, nossa unidade tem capacidade de cobrir 1 milhão de hectares”, informa Diego Stone, CEO da Krilltech, que deve colocar o produto em escala comercial ainda este semestre. Segundo Juscimar da Silva, pesquisador da Embrapa, o Arbolin atende a diversas culturas, desde hortaliças, legumes, e inclusive flores. “Já usamos até em orquídeas, e deu enraizamento perfeito”, garante.