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2021: dois anos em um

Paulo Delgado
é sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP
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Paulo Delgado
é sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP

“Gastos extraordinários”. A expressão sagrada anda sendo usada para reduzir a percepção da improvisação e do desinteresse pela sustentabilidade econômica com que atua a autoridade governamental. Enquanto isso, sem um horizonte claro de crescimento, a indústria, os setores de comércio e serviços, os consumidores, os investidores e a inflação continuam cada um por si, sem saber como será o ano que vem.

Quem acha que a deterioração da economia brasileira é transitória – e que nunca haverá insolvência do governo – considera um calendário no qual 2020 não existiu, pois a paralisia sincronizada da economia por razões sanitárias nada mais fez do que interromper um período já lento e de baixo crescimento. Tal fato não deveria dar a impressão de que a estagnação e o déficit das contas públicas vão passar como mágica, quando a pandemia acabar.  

Só assim é possível aceitar explicações mecânicas e conformistas para tamanha redução das perspectivas econômicas. Será um desastre inevitável se a pressão por mais gasto e os aumentos do déficit e da dívida pública se somarem à permanência da trajetória de paralisia política pelo jogo não cooperativo entre o governo e o parlamento. E, principalmente, pela presença da inconcebível rivalidade política na gestão desastrosa da disseminação de casos e mortes provocados pelo covid-19.

O comportamento cauteloso dos consumidores, a volatilidade dos índices de confiança e a manutenção da incerteza nos cálculos dos agentes econômicos têm explicação. São fortemente agravados pelas altas taxas de desemprego e pela má ação técnica, ou pela omissão de autoridades insensíveis à gravidade da crise.  

Sem falar que temos um governo despreocupado com a agenda de reformas que possam corrigir rumos na onerosa máquina pública e impedir a esterilidade da atividade produtiva. Tudo somado, podemos dizer que 2020 é um ano perdido e que o País só se recupera se dobrar a aposta e viver, em 2021, dois anos em um.

Apesar de estar, sim, predominando a improvisação, isso não quer dizer que tudo deva ser considerado ruim. Algumas boas notícias vieram do exterior com os sinais de mudança na política norte-americana e a informação sobre a possibilidade da vacina. Internamente, a decisão moderada do eleitorado das cidades de prestigiar, com a reeleição, o prefeito conhecido sinalizou que a densidade política do candidato voltou a ser mais importante do que a densidade digital.  

Contudo, não é possível descuidar do principal: o fato de que sem mudança estrutural na administração pública e no padrão das atividades fiscal e tributária praticadas pelo Estado é impossível apostar num ritmo otimista de recuperação e expansão da atividade econômica.

No cenário político, predominam a rivalidade, o fracionamento partidário e a inércia. A falta de consenso sobre como deve ser o processo e a composição das chapas para a sucessão na Câmara e no Senado é um fator desestabilizador de perspectivas, dificultando o planejamento de médio prazo.  

Enfim, mesmo tendo injetado, corretamente, bilhões na economia por razões emergenciais, o governo deve explicações à sociedade. Para entender a crise que estamos vivendo e poder atuar racionalmente, é preciso não aceitar a ideia de que tal emergência é mera “troca de pneu furado em carro bom”. Ora, o que a pandemia fez foi desorganizar mais ainda nossa desorganizada forma de dirigir o veículo pesado do Estado.

Por isso, podemos dizer que sem alterar a forma de arrecadar e gastar, a parte maldita do governo iniciará o ano, novamente, como o principal fator de restrição ao crescimento do País.

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