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7 de setembro: a lição de D. João VI

Bárbara Dias
é doutora pelo Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ-IESP e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Bárbara Dias
é doutora pelo Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ-IESP e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Dizem as boas línguas que, por ocasião do regresso da Corte Portuguesa a Lisboa, em 26 de abril de 1821, D. João VI, ao despedir-se de seu filho Pedro, regente do Brasil, ter-lhe-ia alertado: “Põe a coroa sobre a tua cabeça, antes que algum aventureiro lance mão”.

D. João VI estava apreensivo, não só em razão do movimento no Porto “a Regeneração para o Progresso”, mas também com diferentes facções que disputavam um projeto de nação para o Brasil, seja a disputa pela forma de Estado e de governo, seja pelo grau de inclusão e participação dos “de baixo” no sistema político.

D. João VI não tinha muita intimidade com o filho. E ficava amuado com o que ouvia da Corte. Pedro tinha fama de infiel, violento com a esposa e pouco versado na cultura necessária para um estadista. “Grosseiro” e “incompetente” eram os comentários mais sutis sobre o príncipe. Assim, antes de pronunciar a famosa frase citada acima, D. João chamou o filho, momento em que se deu um pequeno circunlóquio. O que ninguém sabe ao certo (até hoje, dizem ser mera fofoca de bastidor) é que na noite que conversou com Pedro, D. João lhe apresentou um conto inglês, A história de Jack e o pé de feijão, publicado em 1807 por Benjamin Tabart.

– Preste atenção no que vou lhe narrar, começou assim D. João a Pedro, seu filho:

– Havia um rapaz, jovem e tímido, mas muito esperto e virtuoso que se chamava Jack. Ele vivia em estado de penúria com sua mãe, viúva. Em um dia desses, perambulando e com fome, Jack encontrou um pé de feijão. E não se sabe se por delírio de fome ou por feitiço, encontrou também uma fada, que contou para ele que lá em cima do pé de feijão vivia um ogro medonho e assustador e muito rico, que possuía uma gansa que botava ovos de ouro e uma harpa mágica que colocava todos aqueles que a escutavam em posição de paz e tranquilidade.

A fada também contou a Jack que foi aquele ogro que matou o pai dele. O pai do Jack pertencia a uma comunidade camponesa que vivia ao redor do pé de feijão. Denominada Ryomany, essa comunidade era detentora da maioria das terras da região. No entanto, por volta de 1750, Ryomany quase desapareceu. As terras da comunidade foram roubadas mediante decretos criminosos. Os direitos dos titulares do uso do solo foram transformados em propriedade privada, e os camponeses, enxotados com muita violência e derramamento de sangue. A fada ainda contou que um duque, tio do ogro, transformou os domínios das terras em pastagens, ocasionando a expulsão de mais de 3 mil famílias. Depois disso, o duque ainda chegou à desfaçatez de cobrar 2 xelins e 6 pences de renda média por acre daqueles que tiveram as terras roubadas.

Segundo a fada, o pai de Jack, com a ajuda de vários líderes da comunidade (dentre os quais, mulheres designadas como bruxas), teria conseguido resgatar a gansa e a harpa, que eram responsáveis pela fertilidade e abundância de feijão nas terras ocupadas pelos agricultores por 15 séculos. Foi isso que o ogro e seus mercenários roubaram, com muita violência e muitos fuzis, não sem antes convencer alguns líderes que as dificuldades que sofriam não decorriam do saque ancestral de suas terras, mas de maldições pagãs que estavam na harpa e na gansa.

Toda esta estória exasperou Jack, que, mesmo ciente dos perigos que o aguardavam, resolveu subir no pé de feijão. Para ele, não havia escolha: “Enfrento o ogro e enfrento os fuzis”, pensou ele.

Uma vez chegado lá em cima, diante da opulência, da abundância e do desperdício de tantos recursos, a coragem de Jack aumentou. Ele observou que o ogro adormecia quando a harpa começava a cantar. Ele se aproveitou do momento, pegou a gansa e a harpa e correu em direção ao pé de feijão.

Ao perceber que Jack tinha levado o ganso e a harpa, o ogro e seus asseclas saíram disparados na perseguição. No entanto, quando chegaram ao destino, tiveram a surpresa de enfrentar uma multidão disposta a defender Jack. Mesmo assim, o ogro não desistiu e, com mentiras e acusações, tentou dividir os que lutavam pelo feijão, os que lutavam pelo sonho e os que acreditavam que os fuzis substituiriam a falta de feijão e sonhos. Contudo, as palavras do ogro não funcionavam mais. Todos estavam exaustos e não acreditavam mais em seus discursos.

Moral da história, Pedro:

– Para atualizar a permanente tensão entre feijão e sonho, é preciso evitar a construção de “comunhão de destino”. A rudez e o desequilíbrio das forças podem causar exatamente a possibilidade que se deseja evitar.

E por isso vos digo, Pedro: só um Estado forte pode pairar sobre as raças e suas distinções. Não incentive o espírito de destruição e agressividade que opera dentro de ti. Lembre-se da necessidade do tudo mudar para nada modificar. Nação na coerção até fundamos, Pedro. Mas sonhos e feijão, não podemos.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.

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