Artigo

A alta desigualdade brasileira tem solução

Daniel Henrique Alves
é doutorando em Economia Política no King’s College de Londres e afiliado ao King’s Brazil Institute.
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Daniel Henrique Alves
é doutorando em Economia Política no King’s College de Londres e afiliado ao King’s Brazil Institute.

A pandemia exacerbou desigualdades. Globalmente, pessoas mais pobres, negras e de minorias étnicas têm sofrido de maneira desproporcional com as crises sanitária, educacional e econômica. Sobre esta última, embora o auxílio emergencial tenha provido um alívio vital para muitas famílias, mesmo que pontual, o Brasil deve continuar ainda por muito tempo entre os países mais desiguais do mundo.

Há diversas formas de se medir a desigualdade de renda, cada uma traz uma informação valiosa – e, em todas, o Brasil vai mal. Em relação ao Índice de Gini [1], o indicador mais famoso, reformas nos anos 1990 e 2000 fizeram com que, no País pós-redemocratização, os mais pobres tivessem mais assistência e oportunidades. Como resultado, a renda deste grupo cresceu comparativamente mais rápido por um bom tempo. O Gini brasileiro declinou acentuadamente entre 2001 e 2014, porém, voltou a subir após esse período.

Em outra medida bastante usada para se aferir desigualdade, a parcela da renda nacional que fica com o 1% mais rico da população é, hoje, praticamente a mesma de 1985 – próximo a 30%. Há uma visível queda nessa desigualdade logo após a implantação do Plano Real e uma lenta, mas persistente, piora desde então. Ainda assim, o Brasil é um dos poucos países em que a concentração de renda no topo não piorou nos últimos 35 anos.

Acadêmicos que pesquisam episódios históricos de queda de desigualdade pintam um quadro pessimista. A disparidade econômica só cairia significativamente após choques extremos, como guerras, pragas, revoluções ou colapsos do Estado. Na maioria das vezes, a desigualdade seria reduzida porque grande parte da população entraria para a pobreza. Entretanto, o Brasil e outros países latino-americanos conseguiram avançar em reformas redistributivas importantes nas últimas décadas, apesar de alguns observadores da época considerarem estas reformas infrutíferas ou insustentáveis. De fato, talvez, no futuro próximo, até o Índice de Gini brasileiro volte aos níveis extremos do fim da ditadura militar, e esses observadores acabem tendo razão. Contudo, não precisa ser assim.

Existem bons exemplos à disposição sobre quais ações ajudariam o País a construir uma sociedade mais igualitária. Embora os brasileiros paguem mais impostos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do que muitas nações bem menos desiguais, nosso sistema tributário pesa proporcionalmente muito mais sobre bens de consumo – com os quais os pobres gastam boa parte de sua renda – do que sobre salários, capital e patrimônio. Alíquotas mais altas de Imposto de Renda (IR), impostos sobre dividendos e maior cobrança de tributos como o IPTU, por um lado, e menos impostos como o ICMS e o IPI, por outro, ajudariam a diminuir a desigualdade sem necessariamente mexer com arrecadação fiscal total.

Do mesmo modo, o Estado brasileiro também gasta mais que diversos países mais igualitários. O Brasil deveria gastar menos com aposentadorias (especialmente aquelas por tempo de contribuição e as do setor público), folha salarial do funcionalismo e subsídios estatais para empresas privadas. Em contrapartida, para combater a desigualdade mais efetivamente, os gastos públicos deveriam ser direcionados a educação (principalmente primária e secundária), SUS, assistência social, primeira infância, habitação, saneamento e ciência e tecnologia. O País pode se transformar em uma nação com mais igualdade econômica sem aumentar impostos ou gastos. Bastaria cobrar e gastar melhor.

Nota:

[1] Coeficiente de Gini, também chamado “índice de Gini” ou “razão de Gini”, é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini, e publicada no documento “Variabilità e mutabilità”, em 1912. É um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza. Na prática, o Índice de Gini costuma comparar os 20% mais pobres com os 20% mais ricos.

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