Vivemos em um planeta tocado pela ação antrópica, ou seja, grande parte de tudo o que existe no mundo sofreu a interferência do ser humano. As consequências disso, historicamente, são inúmeras. Algumas são instantaneamente percebidas, outras podem levar décadas ou séculos até que “a conta chegue”. Independentemente de qual seja o caso, a curto ou a longo prazo, a conscientização e a adoção de iniciativas em escala global são urgentes para mudar esses cenários.
O Instituto Ethos realizou recentemente, com apoio de organizações não governamentais, movimentos sociais, populações tradicionais e originárias, governos locais, comunidade científica e setor privado, a 5ª Conferência Brasileira de Mudança do Clima, na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte (RN). Durante três dias, debatemos com autoridades federais, estaduais e municipais, além de especialistas e representantes da iniciativa privada, a agenda das mudanças climáticas e da proteção ambiental, com foco em uma governança que apoie os processos de descarbonização. Obviamente, não é possível idealizar em um único evento todas as soluções necessárias para as mudanças climáticas, mas pudemos ter a certeza de dois pontos, com base em dados e falas dos palestrantes: não há mais tempo a perder na busca pela mitigação dos impactos da mudança climática, ao mesmo tempo que já existe uma conscientização sobre essa urgência por boa parte da sociedade.
No mês de julho deste ano, presenciamos um desses fenômenos nada naturais, que são reflexos de um planeta no limite. O mês foi o mais quente da história recente do planeta terra, segundo dados divulgados pelo Serviço de Mudança Climática Copernicus (C3S), da União Europeia. A temperatura média de julho de 2023 em todo globo foi de 16,95 graus Celsius (°C). O novo recorde indica que, durante praticamente todo o mês, a temperatura média global esteve 1,5 °C acima do valor que atingiu na era pré-industrial, em meados do século 19.
Eventos extremos como esse, que caracterizam a mudança do clima, atingem a população do mundo todo de maneiras diversas. Além do aumento das temperaturas globais, estamos presenciando outras mudanças igualmente preocupantes, como os aumentos progressivos de queimadas florestais, enchentes, inundações e chuvas fora de época, bem como secas e geadas que fogem da padronização climática à qual estávamos adaptados. Adaptação, inclusive, é um fator essencial para vivermos, e sobrevivermos, neste planeta. Esses eventos são cada vez mais frequentes e com maior escala e intensidade, resultando, na maior parte das vezes, na perda irreparável de vidas e da biodiversidade, além de econômica.
Há, ainda, outra abordagem a ser avaliada com atenção. Estudo de 2021 da Universidade de Oxford, da Inglaterra, demonstra que 10% das pessoas mais ricas da população mundial são responsáveis por 52% das emissões de dióxido de carbono (CO2) globais, enquanto 50% das pessoas mais pobres são responsáveis por apenas 7% das emissões em todo o mundo. Isto é, aqueles que mais contribuem para a acentuação da mudança do clima são, muitas vezes, os que menos sofrerão as consequências.
Historicamente, as populações mais pobres são as mais impactadas pelas questões climáticas, justamente por serem relegadas a habitar áreas de maior risco, sujeitas a deslizamentos de terra, alagamentos ou até mesmo problemas de saúde causados por moradias próximas a plantas industriais, lixões e aterros sanitários. Nesses casos, mais do que questões climáticas, são aspectos sanitários e de saúde e bem-estar. Portanto, não é mais possível pensar em uma agenda climática desassociada da agenda de direitos humanos e de enfrentamento às desigualdades sociais. As soluções precisam dar conta do conjunto de desafios postos para a redução das desigualdades e a proteção e garantia dos direitos humanos.
Se, até o momento, a ciência foi protagonista e liderou as ações a respeito da urgência no enfrentamento à crise climática, agora, precisamos que um conjunto de áreas, envolvendo setores diversos que estejam alinhados e comprometidos com os direitos humanos. É preciso conduzir as iniciativas para mudar esse cenário de forma ágil e efetiva, seja por meio de políticas públicas, seja por meio da construção de um arcabouço regulatório ao setor privado.
O enfrentamento à crise climática só será efetivo mediante o combate às desigualdades e a busca por um mundo mais equitativo e melhor para todos. Para isso, precisamos buscar equilíbrio e construir boas práticas que sejam progressivamente menos degradantes, menos exploratórias e menos predatórias. Parte essencial das ações necessárias para mudar esse cenário está na preservação e na conservação dos biomas e da biodiversidade presentes no Brasil, optando por soluções que sejam baseadas na natureza. Ao mesmo tempo, essas iniciativas precisam servir de ferramenta de inclusão, de redução das desigualdades e de garantia dos direitos humanos para todos.
É preciso estimular a manutenção e a proteção de áreas habitadas por populações tradicionais e defender e garantir a segurança física das pessoas que se colocam na linha de frente da preservação dos territórios. É fator essencial a busca por novas alianças e novos caminhos. A mudança do clima, no fim das contas, nada mais é do que um chamado a todos que ainda possam fazer a diferença para o futuro global.
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