“O governo brasileiro lidera o Ocidente no encorajamento da arquitetura moderna”. Foi este o título do comunicado de imprensa[1] do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) às vésperas da inauguração da mostra Brazil Builds, que, em 1943, revelou ao mundo a vitalidade do modernismo nacional. Foram amplamente estudados o impacto da exposição entre os norte-americanos e o seu efeito legitimador entre os próprios brasileiros. Menos conhecida é a passagem da Brazil Builds pelo Reino Unido, celebrada e coroada com a visita da rainha-mãe.
Na esteira da Grande Crise, a produção intelectual do Brasil era estranha aos britânicos, os quais, de acordo com o adido cultural de então – o dramaturgo e diplomata Paschoal Carlos Magno –, viam o País como um quasi-continente dominado por caudilhos, povoado por selvagens e assolado por guerras viscerais[2]. Em linha com a política exterior de prestígio conduzida por Getúlio Vargas e Oswaldo Aranha, Magno propôs que se expusesse em Londres a Brazil Builds, que havia conquistado o público de várias cidades dos Estados Unidos.
Em 10 de outubro de 1944, o embaixador Moniz de Aragão inauguraria a exposição de fotos arquitetônicas no edifício modernista da loja de departamentos Simpsons. Em contraste com o anterior desinteresse da imprensa local pelas expressões brasileiras, a renomada Architectural Review, motivada pela Brazil Builds, publicou uma edição dedicada ao Brasil[3], com preâmbulo de outro diplomata – e connoisseur da arquitetura –, Joaquim de Sousa-Leão. Em artigo assinado por Sacheverell Sitwell, um célebre crítico de arte conservador, a arquitetura moderna brasileira ganhou o epíteto de “sem dúvidas, a melhor do mundo”. Em que pese o tom laudatório da revista, sua condescendência colonialista transparece em passagens como a que afirma haver o Brasil emergido das “mais primitivas origens” para figurar entre as “mais civilizadas democracias modernas”. De todo modo, conforme reportaria a Embaixada ao Rio de Janeiro, a breve mostra, que trazia o imprimatur do MoMA, foi um sucesso, apesar de modesta, uma vez que a turnê britânica não teria contado com apoio da capital.
A sorte da Brazil Builds no Reino Unido mudaria poucas semanas mais tarde. Ao mesmo tempo em que a Força Expedicionária Brasileira seguia para a Itália, rumava a Londres a maior coleção de arte até então enviada para fora do País. A Exposição de Pinturas Modernas Brasileiras, composta por 168 quadros de nomes como Tarsila, Portinari, Di Cavalcanti e Burle Marx, seria hospedada pela tradicional Royal Academy of Arts e outras sete galerias em várias cidades britânicas. De modo a emprestar seu prestígio às menos conhecidas obras de arte e projetar a imagem de um Brasil em rápido desenvolvimento, os diplomatas brasileiros agregaram a Brazil Builds à exposição.
Em vez de secundá-los, as fotografias arquitetônicas acabaram encontrando melhor recepção que os quadros. O mesmo Sitwell escreveu prefácio para o catálogo da exposição[4], em que afirma esperar que os pintores brasileiros emulem os arquitetos, estes já “senhores de seu entorno”, na edificação de uma identidade própria. A imprensa repercutiu as ideias do crítico. Segundo o Times, a arquitetura brasileira falava muito mais sobre o espírito do País que sua pintura[5].
A cobertura dos jornais foi ampla e favorável, e mais de cem mil britânicos tiveram seu primeiro contato com a arte e a arquitetura brasileiras. Entres eles, sobressaem a rainha Elizabeth e a princesa Margaret, mãe e irmã da atual soberana, e a duquesa de Kent, que teria ficado maravilhada com o modernismo do Brasil. Quinze anos mais tarde, em encontro com Kubitscheck e Niemeyer, a duquesa elogiaria o moderno palácio presidencial brasileiro. Cartola imortalizou a visita real nos versos de “Tempos idos”, nos quais diz que o samba, “com a mesma roupagem que saiu daqui, exibiu-se para a duquesa de Kent no Itamaraty”.
Como se vê, a Brazil Builds estabeleceu laços afetivos duradouros com figuras influentes e afetou positivamente a percepção dos britânicos sobre o País. A imagem da monocultura escravista cedia lugar à de uma potência regional que se industrializava de maneira acelerada, com aspiração de aportar política, militar e culturalmente à comunidade de nações. A divulgação da arquitetura moderna é provavelmente o mais exitoso caso de diplomacia cultural brasileira. Transmitiu mensagem atraente, ajustada aos valores e à estética de sua época e coerente com o objetivo de credenciar o Brasil a contribuir na formação da ordem que emergiria da Segunda Guerra.
[1] The Museum of Modern Art (1943). Brazilian Government Leads Western Hemisphere in Encouraging Modern Architecture. Nova York: MoMA.
[2] Magno, P. C. (1936). Carta para Alfredo Polzin. Cons. Londres 0.0. 310/1936. Rio de Janeiro: MRE.
[3] Architectural Review (1944). Architectural Review, XCV (January-June).
[4] RAA (1944). Catalogue of the Exhibition of Modern Brazilian Paintings. Londres: British Council.
[5] Times (23 de novembro de 1944). Brazilian artists’ gift. The Times, p. 6.
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