Em 2023, a Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP28) ocorreu em Dubai, no maior evento do tipo desde a primeira edição, no Rio de Janeiro, em 1992. Foi um evento grandioso no qual estiveram presentes cerca de 100 mil pessoas, representantes de 198 governos, centenas de Organizações Não Governamentais (ONGs) e associações profissionais.
O Brasil teve uma participação relevante com a presença do presidente da República, em torno de 10 ministros e presidentes da Câmara e do Senado, além de muitos parlamentares, governadores e ONGs, num total aproximado de 1,5 mil pessoas. A conferência é, na realidade, desde o início, uma combinação de dois eventos: num deles, participam apenas os representantes dos países que tomam as decisões. Já o outro consiste de conferências paralelas, seminários e discussões de todo o tipo sobre desenvolvimento sustentável no sentido mais amplo, incluindo direitos das populações atingidas pelas mudanças climáticas, justiça social e outras.
Na conferência governamental, as decisões tomadas precisam ser unânimes. Qualquer país pode bloquear decisões, o que torna muito difícil aprovar medidas em geral. Não se exclui também a realização de negócios, comum em eventos como esse. Na COP28, da qual o presidente era também CEO da grande empresa petrolífera da Arábia Saudita e Abu Dhabi, não foi diferente. Aproximadamente 1,5 mil lobistas de negócios estavam entre os participantes. Desde que criada, mais de 30 anos atrás, o objetivo central da Convenção do Clima era “conseguir estabilizar a concentração de gases de efeito estufa (responsáveis pelo aquecimento global) na atmosfera, num nível que evite interferência perigosa no clima”.
Contudo, várias estratégias adotadas durante essas três décadas tiveram pouco sucesso: a temperatura média da Terra continua subindo, o que se reflete em alterações do sistema climático, principalmente sob a forma de eventos extremos que estão se tornando cada vez mais frequentes e intensos. O Protocolo de Kyoto, em 1997, então, adotado numa época em que o mulilateralismo entre as nações estava em ascensão (bem como a influência das ONGs), decidiu reduzir as emissões de gases de efeito estufa pelos países industrializados. No entanto, o senado estadunidense não ratificou o documento, argumentando que deveria fixar também reduções para todos os países do mundo (inclusive os em desenvolvimento) — decisão que o que os condenaria ao subdesenvolvimento, como argumentaram, à época, China, Brasil e outros. Apenas os países da Europa seguiram as decisões do protocolo, mas representavam menos de 15% das emissões mundiais desses gases.
Já em 2015, na COP21, foi adotado o Acordo de Paris, que estabeleceu que cada país fixaria voluntariamente as próprias metas de redução de emissões. O sucesso do acordo, que significou o abandono do mulilateralismo, dependeria de decisões soberanas sensíveis às consequências nefastas das mudanças do clima, as quais significariam, na prática, reduzir o consumo de combustíveis fósseis (carvão, gás natural e petróleo) — meta muito difícil de ser obtida, uma vez que essas fontes representam, hoje, mais de 80% do consumo mundial de energia. O resultado: esse compromisso, adotado quase dez anos atrás, já é insuficiente para evitar o aquecimento crítico de mais de 1,5°C até 2050.
A COP28, em Dubai, que fez um esforço adicional para aumentar o comprometimento de reduzir as emissões, adotou resoluções que, apesar de não mandatórias, apelam para o bom senso dos países, incluindo os produtores de petróleo. Em relação à exortação, o evento foi um sucesso, porque ofereceu um “menu” de opções a serem adotadas. A principal delas, talvez, seja a de reconhecer a necessidade de promover uma “transição energética que signifique reduzir o uso de combustíveis fósseis, de modo a atingir a meta zero de emissões líquidas zero ‘por volta’ de 2050”. O notável na adoção desta exortação é que ela contou com o apoio dos países produtores de petróleo. As propostas de muitas entidades ambientalistas de que o uso de combustíveis fósseis fosse eliminado (phased out) até 2050 não foram adotadas. Índia já declarou que só poderá zerar as emissões em 2070, enquanto a China, apenas em 2060 — bem como muitos países africanos.
Transições energéticas, que não são grandes novidades, estão ocorrendo desde que biomassa (principalmente madeira) foi substituída por carvão, que deu lugar a petróleo, gás natural e, agora, renováveis. A COP28 simplesmente reconheceu um fato que encontra ainda grande resistência no status quo atual, dominado pelos produtores de energia fósseis. As outras componentes do “menu” proposto já eram bem conhecidas pelos especialistas: triplicar a participação de energias renováveis na matriz energética mundial e dobrar a taxa de redução de consumo de energia até 2030, metas, mais uma vez, que dificilmente serão.
Fato é que a COP28 deu à indústria dos combustíveis fósseis uma sobrevida de quase meio século. Sob esse ponto de vista, a conferência foi um fracasso. Ainda assim, o evento criou também um “fundo de perdas e danos” para compensar os países mais duramente atingidos pelas mudanças do clima — estimativas iniciais avaliaram em US$ 100 bilhões por ano essas necessidades. Para piorar, as contribuições ao fundo, que são voluntárias, não conseguiram atingir sequer US$ 1 bilhão, valor aproximado que custou a realização da COP28.
A próxima rodada de negociações importantes será na COP30, em 2025, que será realizada no Brasil, na capital do Pará, Belém. Na ocasião, todos os países deverão apresentar uma revisão dos compromissos que assumiram voluntariamente em consequência da adesão ao Acordo de Paris. Felizmente, o País não está mal posicionado no cenário: o desmatamento na Amazônia está diminuindo e acredita-se que essa diminuição se intensificará. Referente às energias renováveis, a matriz energética nacional já é avançada, representando, atualmente, 47% de toda a energia consumida — enquanto no mundo, esse número é de apenas 14%. O que precisamos evitar é “carbonizar” a matriz e acelerar medidas de economia de energia, além de adotar a energia solar e, sobretudo, não abandonar as hidroelétricas, uma vez que estas contam com reservatórios dos quais essas energias solares intermitentes dependem para operar.
Ainda, o grande problema para o Brasil é o setor de Transportes, em que o pioneiro Programa do Álcool deveria ser tecnologicamente atualizado via ganho de produtividade, uso da cana e do milho em refinarias e aproveitamento de biogás e captura de CO₂. Além disso, o projeto precisa ser ampliado para evitar a adoção prematura de soluções ainda não comprovadas (técnica e economicamente), como hidrogênio, usinas eólicas offshore e eletrificação maciça dos transportes — que pode até funcionar na Noruega, mas num país de dimensões continentais, como o Brasil, é contraproducente. É preciso acelerar, urgentemente, essa transição energética, tanto aqui como no restante do planeta. Caso contrário, a transformação não ocorrerá a tempo de evitar as “interferências perigosas no clima”, objetivo central da Convenção do Clima há 30 anos.
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