A vitória de Luís Inácio Lula da Silva, em 2022, foi surpreendente. Já estamos em agosto de 2023, há quase um ano daquelas fatídicas eleições e, ainda (ou cada vez mais), nos pegamos pensando que a eleição de um candidato democrata no Brasil foi um feito sem precedentes, histórico, gigantesco e que ainda tem que ser muito pensado pela ciência política.
O Brasil achou um oásis republicano após andar por quatro anos em um deserto quente e mortal encampado pela extrema direita. Naquele momento, o Brasil se encontrava diante de uma acirrada eleição, governado por um ultraconservador negacionista e que dominava muito bem a linguagem do mundo tecnológico para promover discursos violentos em um cenário de desmantelos social, político e econômico. Olavo de Carvalho, Weintraub, Salles, Monark, Nikolas… Todos, símbolos de uma extrema direita astuta, de retórica convincente, moderna e endossada pelo poder das Big techs, que, no apagar das luzes, lucram muito em um sistema sustentado pela economia da atenção, em que se prega um discurso vazio “pró-democracia e liberdade de expressão” — mas que, no frigir dos ovos, aceita o espalhamento desenfreado de desinformação. Estamos falando da vitória do voto pelo retorno a um Estado democrático de direito em um país com altos índices de feminicídio e que, após saber que uma mulher foi deixada desacordada na porta de casa, depois carregada por um homem por 3 quilômetros e violentada, tem a desfaçatez de dizer: “Mas, também, a moça não devia ter bebido tanto”. Uma nação em que a morte da população LGBTQIAPN+ e negra é normalizada. Um país com um corpo que, sempre que pode, saúda o autoritarismo e o militarismo e ainda se deixa convencer pelo argumento estapafúrdio de que as ditaduras não matam “cidadãos de bem”, não são corruptas e protegem a instituição “família”.
É ainda surpreendente a vitória de um candidato democrata no Brasil se analisarmos o contexto que nos encontrávamos — e ainda nos encontramos — de avanço da extrema direita no mundo. Fatos chocantes que não esperávamos serem possíveis em 2023, dado o avançar dos debates sobre direitos humanos, têm ocorrido com certa frequência. A Inglaterra, por exemplo, colocou em ação, neste ano, algo que nos traz imediatamente à memória os navios negreiros. Em resposta à pressão de que refugiados não entrem mais no país, o primeiro-ministro conservador britânico, Rishi Sunak, inaugurou um navio-prisão de três andares, chamado Bibby Stockholm, que tem capacidade de trancafiar no mar 500 imigrantes de uma só vez. Segundo o governo britânico, a prisão flutuante seria uma forma de desestimular as migrações e de poupar o dinheiro do contribuinte.
A Itália também é outro exemplo claro de como a fragilidade democrática tem assolado países europeus e deixado turvas as águas da democracia do Norte Global. Recentemente, o país, com forte discurso “Italianos em primeiro lugar” — principalmente encabeçado pela primeira-ministra conservadora, Giorgia Meloni —, põe em prática ações assustadoras. Nos últimos meses, por exemplo, uma legislação altamente proibicionista no que se refere a direitos familiares se dedicou a retirar o nome de mães lésbicas das certidões de nascimento das crianças, deixando apenas os nomes das mães biológicas.
No Brasil, a extrema direita também se consolida e faz escola. A vitória de Lula não exterminou os grupos extremistas e conservadores do País. Os discursos de extrema direita são vistos, inclusive, em discursos de atores políticos importantes. A última fala do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), mostrou o “mato sem cachorro” que o Brasil se encontra. Zema declarou, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, no dia 6 de agosto de 2023, que “[…] Sul e Sudeste vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta? Isso não pode ser intensificado, ano a ano, década a década. Se não você vai cair naquela história, do produtor rural que começa só a dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito”. A fala, carregada de xenofobia e de um ideário separatista, teve apoio entre cidadãos brasileiros e demonstra como o não republicanismo resiste em território nacional.
Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, apesar de estar tentando fazer um movimento de afastamento do bolsonarismo, vem, nas entrelinhas, mostrando que continua filiado à extrema direita. Na última semana de julho, depois uma operação policial na Baixada Santista, deflagrada após a morte de um soldado militar, 16 pessoas foram mortas. Após ser questionado sobre a operação, Freitas salientou que estava “extremamente satisfeito”.
É fato que a extrema direita global ou está sentada nas cadeiras políticas mais importantes, ou se encontra à espreita, esforçando-se para normalizar ações e discursos inormalizáveis. E é por isso que a vitória da democracia no Brasil, no ano passado, é um fenômeno digno de ser discutido, pensado e estudado. Um feito grandioso como esse precisa ser contado aos democratas do mundo que querem entender como se combate a extrema direita institucional.
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