Há cem anos, enquanto o público brasileiro reagia com surpresa, raiva e até horror a um evento cultural de vanguarda realizado em São Paulo, o Brasil começava a construir um lugar para sua arte no mapa do mundo. A Semana de Arte Moderna de 1922 transformou de vez a cultura do País e a forma como a arte brasileira é vista no exterior; hoje, é interpretada como um momento crucial para o desenvolvimento artístico global.
Se o ano de 1822 marcou a declaração de independência política do Brasil, o evento de arte moderna realizado cem anos depois se consolidou aos olhos do mundo como a nossa independência cultural. Ao buscar descobrir as próprias singularidades e misturar culturas e etnias nacionais, o movimento foi capaz de criar algo novo e diferente do que se via no resto do mundo. Naquele momento, deixava‑se de seguir o que era feito nos centros mais desenvolvidos para desenvolver a própria voz.
A questão da modernidade é fundamental para a construção da nossa identidade internacional, o que preocupa lideranças políticas, intelectuais e artistas desde antes mesmo da independência do País. O Brasil sempre quis ser visto como uma nação “avançada”, e buscou o reconhecimento externo como forma de se consolidar como ator global. Foi assim que participou, desde a época do Império, de grandes exposições internacionais, tentando levar ao resto do mundo uma imagem de modernidade que copiava modelos europeus e norte‑americanos, nem sempre com lastro na realidade nacional, tampouco conseguindo convencer observadores estrangeiros.
Foi somente quando reagiu a qualquer tipo de construção “vira‑lata” e colonialista da sua arte e identidade, desenvolvendo sua brasilidade, que foi possível realmente projetar uma nação moderna e com personalidade independente, a partir da Semana de 22. Ao buscar o abandono de referências, ideias e ideologias importadas, o Brasil comemorou cem anos da sua independência declarando que sua arte não era inferior à do resto do mundo – e poderia ser também soberana.
É importante lembrar que, em 1922, a Europa tentava reconstruir sua própria identidade e cultura após a destruição deixada pela Primeira Guerra Mundial. Esse contexto abria espaço para expressões novas no continente, mas também as de países que tradicionalmente apenas seguiam o modelo exportado pelas potências da época. Assim, o Brasil aproveitou parte do vácuo deixado pela situação caótica global para produzir expressões artísticas que não mais copiavam o que era produzido no resto do mundo. Os artistas brasileiros puderam, então, usar técnicas e experiências consagradas para criar um estilo propriamente nacional.
Um dos legados da Semana de 22 foi a consolidação de São Paulo como importante centro de artes do País e da América Latina. A cidade se tornou parte do roteiro internacional artístico, colocando‑se como centro da modernidade, em contraposição à imagem mais tradicional que se tinha do Rio de Janeiro.
A partir dos anos 1930, o Brasil abraçou a ideia de modernidade criada pela Semana de 22, passando a ser visto no exterior como um símbolo da vanguarda global. Para jornalistas, políticos e visitantes estrangeiros, o País abria caminho para o futuro com um estilo que cada vez mais se associava à sua identidade.
Um século mais tarde, a Semana de 22 continua sendo reconhecida no mundo. Em 2018, por exemplo, o MoMA, Museu de Arte Moderna de Nova York, organizou uma exposição para celebrar o trabalho e a influência de Tarsila do Amaral, considerada inventora da arte moderna no Brasil e importante expoente do estilo internacionalmente.
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