Restam poucas dúvidas: desde 2019, vivemos num país das coisas reversas. É como se o próprio Dumpty Humpty tivesse subido a rampa do Palácio do Planalto para, refestelado na mureta do parlatório, posar de chefe de Estado. Em vez daquela estranha gravata, o seu mimo de “desaniversário” foi a faixa presidencial, por obra e graça do “Rei” e da “Rainha” deste nosso surreal tabuleiro de xadrez (entendedores entenderão). Assim, embarcamos nesta vertiginosa jornada de paradoxos lógicos. Vejamos.
Se o desaniversário é qualquer dia – e, portanto, todos os dias que não o próprio dia –, a fruição (i)lógica do presente recebido consiste no seu contrário; ou seja, desgovernar. Sigam comigo: desgovernar é toda ação de governo que não seja (propriamente) uma ação de governo – pelo menos no sentido lógico da governação usual do mundo em que não há “Jabberwocky”. [1]
Sigam comigo um pouco mais: num sistema presidencialista, o desgoverno é exercido por um “despresidente”. Mais do que isso, respeitando a coerência desta incoerência, o sistema de governo, na verdade, é um sistema de desgoverno que é ocupado por um despresidente. Logo, estamos a falar de um sistema “despresidencialista”. Entretanto, se pudermos aprofundar a escalada de inversões, devemos atentar para o (des)fato de que se trata de um “dessistema despolítico”. Sendo verdadeiras essas (des)premissas, podemos (des)inferir que nosso dessistema despresidencialista tem um despresidente que exerce o seu desgoverno com muita diligência.
Como? Ora, considerando-se a extrema fragmentação partidária do Parlamento (ou seria fragmentação “despartidária”? “Desparlamento?”), a “desgovernabilidade” do (des)Executivo é assegurada por meio do “despresidencialismo” de “descoalizão”. Sim, nesta (des)realidade paralela, a arte de desgovernar reside na (des)formação de uma coalizão (des)majoritária de (des)representantes do (des)Congresso. (Des)Formar coalizão produz uma (des)coalizão (des)partidária, que atua como base (des)legislativa de apoio à (des)agenda do (des)governo (confuso? Sim, até eu me perdi um pouco).
Quando estava às vésperas de (des)assumir o cargo, o (des)eleito afirmou, num evento internacional, qual seria a exata natureza do seu desgoverno: desconstruir, destruir, desmontar. Lembram-se disso? Pois bem, ele não mentiu; ele disse a (des)verdade! De lá para cá, já tivemos quatro “desministros” da saúde com (des)ótimos resultados no (des)enfrentamento da pandemia. Quanta desconstrução! Quanta destruição! As vítimas da infecção estão aí para comprovar o empenho do desgoverno no (des)combate ao vírus. Temos, também, um exemplar desministro do meio ambiente: desatenção aos incêndios, desmatamento, desmonte! Quanta eficiência para “passar a boiada” numa frestinha da porteira aberta pelo covid-19! (Des)Louvado seja esse desministro deste desgoverno!
Inclusive, todo o seu (des)esforço já traz (des)excelentes resultados. Na recente Cúpula do Clima, fomos (des)alçados à condição de (des)liderança na agenda ambiental global. Nosso despresidente se pronunciou após 2o chefes de governo de outros países – o que, na lógica Humpty Dumpty, faz dele um dos primeiros! – e, ainda, contando com a (des)presença de Joe Biden na sala da reunião.
What a great fall! [2]
[1] Em português, “Jaguadarte”; é um poema que aparece no livro Alice no País dos Espelhos, do escritor britânico Lewis Carroll. É considerado um dos principais poemas de nonsense escritos em língua inglesa. Dumpty Humpty, um dos personagens mais conhecidos da obra, é um ovo antropomórfico, filólogo e especialista em questões linguísticas, um ser extremamente orgulhoso e péssimo em matemática. Para ele (e seu raciocínio invertido), as palavras comuns significam o que quer que ele queira].
[2] Segunda linha de um poema infantil antigo, da língua inglesa, com variações na sequência dos versos, mas, quase sempre, são mantidas as duas primeiras linhas:
Humpty Dumpty sat on a wall,
Humpty Dumpty had a great fall.
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