O Índice de Confiança Social do Ipec é calculado desde 2009, tempos de Ibope. Dentre várias instituições, figura ali o termo “presidente da República”. A série de 15 anos de medição pode facilmente ser dividida em quatro blocos que espelham algo sobre a nossa sensação nacional a respeito de política. O primeiro deles seria chamado de “admiração em alta”. Vai de 2009 a 2012, mesclando dois anos de Lula e dois anos de Dilma, com valores entre 60% e 70%. Sinceramente, não acredito que isso tenha relação com o PT, mas com instantes de prosperidade e de uma mínima sensação de percepção de representação política a partir da figura diretamente eleita para a ocupação do Palácio do Planalto.
A segunda fase, denominada “início da ruptura”, vai de 2013 a 2015, com o primeiro biênio na casa dos 40% — fortemente impactado pelas jornadas de junho de 2013 — que entoou, nos manifestos, algo como #nãomerepresenta. Contra tudo e contra todos que estivessem na política, Dilma ainda conseguiu se reeleger em 2014, na eleição mais equilibrada até aquele momento. No entanto, 2015 lhe foi fatal: 22% de confiança e uma terrível desilusão de parcelas da sociedade que resultaria no impeachment da eleita.
O terceiro período foi marcado pela “rejeição absoluta”, começando nos 30% do recém-empossado Temer — a pesquisa é posterior a maio, quando Dilma foi afastada do Planalto para se defender —, num respiro de esperança, chegando aos números de 2017 e 2018 abaixo dos 15 pontos porcentuais (p.p.). Aterrizamos, assim, por fim, na fase atual: 2019 a 2023 seria chamada de “cisão absoluta”. Assim, se, em 2021, Bolsonaro chegou ao piso de 32%, os três outros anos superaram 40 pontos, com Lula registrando 50% em 2023. Note: a quarta fase divide fortemente o País, e vencer essa barreira parece algo muito difícil de ocorrer. A despeito dessa divisão, que o recém-lançado livro de Felipe Nunes e Thomas Traumann traduz como uma cristalização da polarização ideológica do Brasil para além dos temas da política e do tempo da eleição, Lula registrou algo inédito em 2023, e isso merece atenção. Acompanhe o feito, a despeito de seus gostos pessoais sobre o atual presidente.
A empresa de inteligência de dados 4intelligence divulga, desde 2023, na Agência Estado, o Índice de Governabilidade (I-Gov) do governo federal. Uma das dimensões do indicador, que conta com série histórica de mais de 20 anos, está atrelada à opinião pública. Nesse quesito, o cálculo é muito simples: a média de pesquisas mensais de avaliação do governo é transformada num dado único, no qual as posições positivas têm peso 1; as regulares, 0,5; e as negativas, 0. Desde 2013, um presidente não passa um ano inteiro com resultados iguais ou superiores a 50 pontos. Desde maio de 2014, um presidente não acumula 12 medições seguidas ou mais sob esses mesmos valores. Após uma década de fortes conflitos políticos, isso mudou discretamente em 2023: ao longo de todo o ano, considerando as médias mensais das pesquisas divulgadas desde janeiro, Lula ficou em piso de 50% e pico de 57%. Os resultados sugerem que, se por um lado, ele não conseguiu conquistar o que seria a metade do eleitorado que ainda resiste muito ao seu nome, em lógica de forte cisão capturada pelo Ipec e descrita como fenômeno pelos pesquisadores acima citados, por outro, não perdeu a popularidade de Bolsonaro — que, em 2019, derreteu ao longo dos meses.
O antecessor do atual presidente, ao longo de quatro anos (ou 48 meses), só registrou médias iguais ou superiores a 50% em sete registros, sendo que, em 2019, caiu de 58%, em janeiro para 46%, em dezembro.
Assim, o que marcou o mandato presidencial anterior foi a intensidade fiel de uma parcela do eleitorado incapaz de reeleger o ex-presidente, a despeito de o resultado de 2022 ter sido o mais equilibrado da história. A Lula, cabem alguns desafios reflexivos essenciais: o segundo mandato terminou em 2010, e a política mudou tanto desde então que é possível afirmar que o atual presidente tem a primeira experiência sob o signo de uma realidade bastante distinta. Nos dois primeiros quadriênios que governou, entre 2003 e 2010, apenas quatro medições mensais ficaram abaixo dos 50 pontos e cerca de 80% dos registros vieram acima de 60 pontos. Assim, Lula sabe o que é governar um país dividido em extremidades? O nível de radicalidade e resistência ao seu nome em 2002, ele superou com campanha eleitoral de arrefecimento de desconfiança e um primeiro mandato que deu esperanças a parcelas da sociedade, ao mesmo tempo que atendeu a setores mais resistentes do mercado. Contudo, a consolidação dos conflitos atuais não parece algo “tão simples”, e o desafio para os próximos três anos é: as diferenças serão reduzidas e ele atingirá índices expressivos ou seus erros o levarão pelo caminho do antecessor? A conferir. Mas por mais que o País ainda esteja cindido, e parte do eleitorado leia esse texto com ódio, o feito de Lula em 2023 não pode ser desprezado.
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.