O Supremo Tribunal Federal (STF) vai começou o ano pautando as ações movidas pela Rede, pelo PSB e pelo Podemos, que questionam a decisão sobre a segunda distribuição das sobras no sistema proporcional. O atual sistema foi concebido num processo legislativo conturbado, a toque de caixa, em 2021. O primeiro ponto é que foi feito por meio de projeto de lei, não de emenda constitucional, o que já gerou questionamentos no Judiciário. Depois, a regra criou três critérios diferentes para cada uma das fases da distribuição. Não julgarei você, caro leitor, cara leitora, se preferir pular o próximo parágrafo.
Numa primeira rodada, as cadeiras são distribuídas entre partidos que tenham ao menos um quociente eleitoral (100%), caso esse partido tenha ao menos um candidato com 10% desse valor. O valor do Quociente Eleitoral (QE) varia de pleito para pleito, já que é calculado a partir da divisão dos votos válidos pelo total de cadeiras. Passada essa primeira rodada, as chamadas “sobras” serão distribuídas entre os partidos que tiverem ao menos 90% do total do QE. Da terceira rodada em diante, o partido precisa ter 80%, e os candidatos, 20% do QE.
A ação questiona este terceiro caso. Nas eleições de 2022, houve partidos que não alcançaram o mínimo de 80% do QE, mas que tiveram candidatos com mais de 20%. Nesses casos, a Justiça determinou que valia a regra do mínimo para partidos, não para candidatos. A questão atinge, sobretudo, Estados com poucos parlamentares. Nossa regra eleitoral é igual para todos os Estados, mas o tamanho do que convencionamos chamar de distritos na ciência política tem grande variação. Por exemplo, para um partido entrar na segunda distribuição das sobras em São Paulo, vai precisar de 1,14% dos votos para a Câmara. No Distrito Federal (DF), onde a bancada é de oito parlamentares, para entrar nessa segunda rodada, o partido precisaria ter ao menos 10% do total dos votos válidos. A discrepância é enorme.
Nosso intuito aqui não é de voltar à defesa da multiplicação de partidos como sinônimo de aprofundamento da representação. A multiplicação de pequenos partidos nas décadas de 1990 e 2000 não contribuiu em nada para que os cidadãos aprovassem mais a democracia. A questão é que uma outra regra, a Emenda Constitucional (EC) 17/2017, criou outras formas de desincentivar a criação e a continuidade de partidos pequenos, que passaram a deixar de receber a fatia do recurso proporcional à bancada parlamentar (até recebem, mas muito pouco). A aplicação da mudança está ocorrendo paulatinamente e só atingirá o máximo em 2030, quando os partidos vão precisar ter ao menos 3% dos votos (ou 15 deputados) distrubuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas.
A regra da cláusula de desempenho da EC 17/17 já começou a surtir efeitos e a suprimir a existência de pequenos partidos que não tenham base no eleitorado para se manterem. Outros partidos continuaram a existir, a despeito da restrição de financiamento. O objetivo era manter a possibilidade da existência de pequenas agremiações que tivessem interesse em representar um pequeno grupo, mas evitar o incentivo às legendas de aluguel. Os resultados, no geral, são muito positivos. Entendemos que a questão dos incentivos para a redução do número de partidos já foi devidamente tratada, mas a questão dos incentivos na perspectiva federativa ainda não foi bem resolvida.
Em outras palavras, se já temos um critério para o recebimento de recursos do fundo partidário, por que não usar esse mesmo critério para a distribuição das sobras, seja qual for o Estado? Isso contribuiria para diminuir a discrepância do tamanho da barreira para Estados menores e geraria um incentivo para a nacionalização dos partidos. Caso contrário, a tendência é que os partidos pequenos venham a se tornar regionais, já que só terão chance de eleição nos Estados maiores.
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