O escândalo das joias, após o episódio lamentável de 8 de janeiro, chegou à oposição como uma segunda onda que pega o banhista desprevenido depois de um caldo. A ausência da principal liderança político-eleitoral de oposição a Lula dificultou a construção de pautas comuns para a formação de oposição programática ao governo eleito. Soma-se a isso a pouca experiência político-parlamentar de figuras de destaque da direita, como Moro, Damares e Dallagnol.
Os primeiros resultados desta conjuntura começaram a ser observados semana passada, no Senado, onde o Partido Liberal (PL), de Bolsonaro, não conseguiu a presidência de nenhuma comissão sequer. Considerando que foi o partido que mais elegeu senadores e que, após as movimentações de início de mandato, ficou com a segunda bancada (perdendo apenas para o PSD), a definição das presidências de comissões pode ser lida como a segunda grande derrota do bolsonarismo no Senado, depois que as eleições terminaram por eleger Rodrigo Pacheco (PSD/MG) em detrimento de Rogério Marinho (PL/RN).
Neste contexto, seria de esperar que o governo estivesse “nadando de braçadas”, aproveitando este período que a oposição não conseguiu ainda se organizar – já que a quantidade de recursos disponíveis para um grupo deste tamanho nos leva a esperar que a situação seja transitória. Também não é o caso. As pautas estruturantes que foram tema da campanha eleitoral, como a da Reforma Tributária e de uma eventual nova âncora fiscal, seguem confinadas no Executivo.
Por outro lado, na Câmara dos Deputados foi instituído um grupo de trabalho para avaliar o teor da Reforma Tributária. Semelhante ao que fez no governo passado, Arthur Lira selecionou os mais próximos, sem proporcionalidade partidária e com pouca representatividade regional (para não falar na ausência de mulheres), para construir uma agenda e escolher temas, proposições e estratégias legislativas. Em suma, Lira agiu como fazia no governo Bolsonaro, definindo a agenda, a arena e os participantes. Só não esperava que uma arena pouco inclusiva fosse ser deslegitimada. O grupo de trabalho, que não tem previsão regimental, é uma instituição informal e, como tal, depende dos demais atores para ser legítima.
Enquanto isso, o governo Lula vai construindo as bases com atores externos ao Congresso para viabilizar o debate. Semana passada, Fernando Haddad anunciou o acordo para compensação dos Estados pelo ICMS perdido em 2022, após a desoneração dos combustíveis e outros produtos. Na prática, o governo teria que pagar esses valores como já estava pagando a alguns Estados por liminares judiciais. O valor, no entanto, é que denota o movimento. O governo anterior havia oferecido R$ 22 bilhões, e o valor final acordado entre governadores e Haddad ficou em quase R$ 27 bilhões.
Em movimento semelhante, o ministro da Fazenda participou da reunião da Frente Nacional de Prefeitos e buscou interlocução municipal. A proposta que envolve a criação do Imposto de Valor Agregado (IVA) desagradaram os municípios, que perderiam autonomia na tributação. Em diferentes arenas, prefeitos e secretários reagiram e se organizam para acompanhar de perto das discussões sobre a reforma. A presença do ministro no evento não denota proximidade, mas é um movimento de abertura para o debate.
Quem não está feliz com esta discussão, que corre à revelia do grupo de trabalho, é Arthur Lira. O presidente da mesa da Câmara perdeu a função de ponte entre o Executivo e o Legislativo que desempenhou durante o governo Bolsonaro. Ainda que isso já fosse o esperado, Lira provavelmente esperava ser a conexão que possibilitaria ao governo conseguir os votos bolsonaristas e do Centrão necessários para aprovação das pautas mais relevantes. Também não está sendo procurado nesta função.
A reforma vem sendo costurada, portanto, pelo avesso. O Executivo se aproxima de relevantes atores que têm poder para barrar o projeto apresentado. Governadores e prefeitos também têm influência no que acontece no Congresso, sobretudo por meio dos partidos políticos, elemento fundamental para construção de coalizão – praticamente ignorado nos últimos quatro anos. Lira não é mais o único elo entre Executivo e Legislativo e vai precisar entregar os anéis se quiser mantes os dedos. Se tem algo que março de 2023 nos ensinou é que devolver joias nem sempre é fácil, mas mantê-las a qualquer custo pode sair mais caro.
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