Artigo

A toga recua

José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.
É
José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.

É preciso que o Supremo se apazigue. (…) Autolimitar-se seria prudente.”

Joaquim Falcão, O Supremo (2015).

Já vimos aqui, noutro momento, que o protagonismo do Judiciário não cai do céu: ele é politicamente construído. A despeito de narrativas que afirmam uma suposta competição em relação às demais instituições estatais, na verdade, o protagonismo judicial foi construção política do Parlamento, ao deixar para a revisão judicial a decisão final sobre relevantes temas de alto custo político. Isso empoderou os órgãos judiciais, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), a frequentemente decidir (sempre mediante provocação de interessados, como partidos políticos ou PGR) acerca de questões políticas. Uma consequência clara deste contexto foi o crescente protagonismo individual dos ministros relatores em detrimento do posicionamento institucional colegiado (exercido ora pelo Plenário, ora pelas turmas). 

Em dezembro de 2022, a Emenda Regimental 58/2022 foi aprovada, por unanimidade, mediante sessão administrativa realizada em formato eletrônico, trazendo ao regimento interno do STF (relevante norma procedimental que rege a atuação da Corte) duas importantes modificações: 1) os pedidos de vista deverão ser devolvidos no prazo de 90 dias, contado da data da publicação da ata de julgamento, sendo que, após este período, os autos estarão automaticamente liberados para continuidade da análise pelos demais ministros; 2) em caso de urgência, o relator deve submeter imediatamente a referendo do respectivo colegiado (preferencialmente, em ambiente virtual ou presencial, caso a medida urgente resulte em prisão) as medidas cautelares (por exemplo, liminares) necessárias para evitar grave dano ou garantir a eficácia de decisão anterior.

A primeira alteração impede que os ministros individualmente possam utilizar o instrumento do pedido de vista para adiar, de forma indefinida, a conclusão de um julgamento, antes adiando sem prazo final os efeitos concretos da revisão judicial e demais atos de controle. A segunda submete decisões importantes, de efeitos concretos imediatos, ao obrigatório referendo dos demais membros do colegiado, especialmente em situações como prisões, bloqueios de bens, afastamento de servidores de suas funções etc.

Em resposta à polarização política e aos sucessivos ataques sofridos, o Tribunal mostra estar disposto a reduzir o protagonismo individual e a investir na saudável colegialidade das deliberações, talvez mirando mais equilíbrio na relação com os demais poderes constituídos e com os agentes políticos. As medidas recentemente tomadas, além de buscar o resgate da sua legitimidade, em especial quanto à restrição da atuação individual (monocrática) de seus membros, também reduzem os impactos das escolhas (recentes e/ou futuras) de novos ministros sobre a atividade primária do Tribunal, qual seja a importante contribuição da revisão judicial para o sistema de freios contrapesos e para o equilíbrio democrático. Em um raro movimento institucional, o STF diminui os próprios poderes, em aceno à funcionalidade da dinâmica com as demais instituições.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.