Aos quatro ventos, se ouve a respeito da necessidade imediata de que os Estados nacionais diminuam sua interferência sobre a sociedade e que reduzam a “máquina”. O movimento de pressão para que Estados encampem privatizações abrangentes, renunciem a seus servidores, parem com programas sociais e normatizem menos tem sido lugar comum nos discursos proferidos tanto pela mídia como pelo mercado, sendo repetidos por parte da população.
Essa ideia tem raízes no liberalismo do século 19 e entende como central a construção de um laissez-faire econômico, em que direito natural, liberdade de comércio e propriedade privada seriam a fórmula para progresso e equilíbrio social, como afirmam criticamente Dardot e Laval. No entanto, entre 1880 e 1930, há uma avalanche de críticas a esse entendimento, principalmente no sentido de que a sociedade não poderia se reduzir a uma soma de trocas contratuais entre indivíduos, além disso a dita igualdade apregoada seria uma ficção.
Apesar de todo o imbróglio, em 1938, no Colóquio Walter Lippmann, em uma reunião de acadêmicos – que depois se tornaria a Sociedade Mont Pélerin – nasce uma versão ainda mais radicalizada do entendimento liberal acerca do papel do Estado, agora encarnado no conceito do neoliberalismo. Segundo Wendy Brown, esse neoliberalismo estaria associado a um conjunto de políticas que privatizam a propriedade e os serviços públicos, reduzem radicalmente o Estado social, amordaçam o trabalho, desregulamentam o capital produzindo um clima de impostos e tarifas amigáveis para investidores estrangeiros.
O que a doutrina neoliberal parece não ver, ou decide ignorar, é que em sociedades desiguais o Estado tem papel imprescindível em questões que são elementais, como na manutenção da vida dos cidadãos. Sendo esta questão já sublinhada por Adam Smith, um dos pais do próprio liberalismo, ainda em 1776 em seu A riqueza das nações. Na obra, se o autor encampa a defesa das reduções das funções do Estado, ele de jeito nenhum advoga por sua eliminação. Pelo contrário, Smith chama a atenção que seria função do Estado, “proteger a sociedade contra a invasão ou violência externa, proteger o indivíduo contra injustiça e opressão causadas por outrem e manter certas obras e instituições públicas”.
Se as supracitadas instruções de Smith podem, em alguns momentos, ser turvas para alguns, em momentos históricos de crise elas tornam-se de evidente precisão para todos. Isso porque, quando a realidade requer planos tangíveis, as utopias, como é o neoliberalismo, escancaram suas inconsistências e fragilidades. Esse foi o caso do momento histórico pandêmico que vivemos. Neste pôde-se ver grandes nações neoliberais retrocederem, isso porque o ponto não era mais deixar grande parte da população à margem da sociedade, como absurdamente sempre se fez, mas dar-lhes uma sentença de morte em poucas semanas, ou até dias. Logo, questões a respeito da função do Estado como ator central no guarnecimento e na regulação da saúde pública, da proteção social, da moradia, da ciência, da educação, do desenvolvimento urbano/rural, da economia, do trabalho e da proteção do meio ambiente, voltaram ao debate público dos países.
A conclusão momentânea, que se espera que ganhe lastro, é que, expectar que a racionalidade do mercado e que a mão invisível darão conta de resolver os desafios a serem enfrentados pelas sociedades são grandes quimeras, um total descolamento em relação à vida real. Primeiramente, porque o próprio mercado, em tais momentos, precisa de políticas de auxílio. Em segundo lugar porque, dada a realidade desigual das populações, há sim necessidade de primeira ordem de que haja Estado alargado suficiente para que, ao menos, condições mínimas de bem-estar social sejam providas aos concidadãos.
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