Artigo

Afinal, para que servem as Forças Armadas?

Raphael C. Lima
é doutorando em Estudos de Guerra do King’s College London e pesquisador do King’s Brazil Institute
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Raphael C. Lima
é doutorando em Estudos de Guerra do King’s College London e pesquisador do King’s Brazil Institute

A história do Brasil coleciona momentos e símbolos sobre Forças Armadas, que influenciam as visões de mundo das elites políticas nacionais. Diversas imagens povoam o imaginário brasileiro: tiros de guerra, colégios e institutos de pesquisa militares, batalhões de engenharia, militares na política nacional, brasileiros na Segunda Guerra e no Haiti, policiamento de comunidades no Rio de Janeiro, segurança de grandes eventos, distribuição de água no Nordeste e, mais recentemente, combate a queimadas na Amazônia e no Pantanal.

Estas imagens de passado e presente se encontram no mosaico complexo, e um tanto quanto confuso, do imaginário popular sobre o papel militar na sociedade. Um imaginário que é a base da tomada de decisão de elites políticas sobre a ação militar no País. No momento atual, no qual militares têm ocupado diversos cargos políticos, o tema desperta ainda mais paixões. Desse modo, é importante responder, de forma desapaixonada, a uma questão fundamental: afinal, para que servem as Forças Armadas?

Se pretendermos respondê-la de forma genérica, há três grandes missões militares: defesa nacional, apoio à política externa e suporte amparo extraordinários em emergências a agências civis. Primeiro, as Forças Armadas são o principal recurso de manutenção da soberania de uma nação frente a ameaças de conflitos entre países. Segundo, também promovem ações diplomáticas com suas contrapartes, realizam exercícios conjuntos, promovem intercâmbios, apoiam a exportação de produtos de defesa e, até mesmo, podem servir como recurso de diplomacia coercitiva. Por fim, as Forças Armadas também atuam em desastres naturais ou apoiam agências civis em situações extraordinárias, como crises humanitárias e de segurança interna ou suporte a políticas públicas em áreas distantes.

No Brasil e em alguns outros países da América Latina, porém, há uma quarta missão que tende a ocupar a maior parte da agenda: o apoio ao desenvolvimento. Diferentemente de países europeus, onde guerras levaram ao acúmulo de riqueza e à organização dos Estados, na América Latina, conflitos enfraqueceram ainda mais esses países. Assim, as Forças Armadas se profissionalizaram com um foco eminentemente interno e, muitas vezes, se entendendo com mais capacidades para lidar com problemas nacionais que burocracias civis. De fato, militares contribuíram em vários momentos da história. Ciência e tecnologia, com a formação da Embraer e do programa nuclear; ou o projeto de ocupação da Amazônia são alguns exemplos. Entretanto, isso também reforçou a imagem de que uma das missões era desenvolver o País e servir de repositório da identidade e dos valores nacionais, incentivando continuadas atuações na política nacional.

 A questão é que, na contemporaneidade, esse apoio ao desenvolvimento abre espaço para ampla atuação militar em várias áreas, inibindo, muitas vezes, a construção de capacidades de agências civis em tempos de crescentes limitações orçamentárias. Um amplo engajamento nesta área pode também dificultar a atuação nas três missões militares gerais, em especial quando há um crescente envolvimento das Forças Armadas na política. O principal desafio do Brasil é justamente equilibrar essas missões, enquanto busca construir capacidades estatais de agências civis. Caso contrário, a dependência do aparato militar pode continuar, e a imagem de militares atuando em várias dimensões da sociedade deve apenas se ampliar.

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