Quando se fala em ameaças à Amazônia, o desmatamento é um dos primeiros problemas que vem à mente. Mas a atividade humana no bioma está relacionada a diversos outros distúrbios que ameaçam a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos que a floresta oferece ao planeta. Em janeiro deste ano, dois estudos com participação de cientistas brasileiros foram publicados em edição especial sobre a Amazônia da revista Science, um dos periódicos científicos mais relevantes do mundo, e antecipados à imprensa pela Agência Bori. Os pesquisadores alertam para as consequências globais da degradação do bioma por fatores que reduzem a cobertura da vegetação, como os incêndios florestais relacionados à abertura de áreas para a agricultura em larga escala.
Um dos estudos, assinado por 35 autores, revela que a degradação da Amazônia afeta 38% da área restante da floresta e provoca emissões de carbono equivalentes ao desmatamento. A degradação pode reduzir a evapotranspiração na estação seca em 34%, alerta o trabalho. Os pesquisadores realizaram uma revisão analítica de dados científicos sobre mudanças na região amazônica entre 2001 e 2018 obtidos com base em imagens de satélite e dados de estudos em solo.
O artigo explica que o desmatamento envolve mudanças na cobertura do solo, e neste processo, a floresta deixa de ser floresta. Já a degradação consiste em modificações nas condições da floresta por ação humana, que podem ser transitórias ou de longo prazo. Os quatro principais fatores de degradação identificados pelo estudo foram os incêndios florestais, os efeitos de borda (que são mudanças nos parâmetros ecológicos de florestas próximas às áreas ocupadas por atividades humanas), a extração seletiva de madeira e a seca extrema.
Como forma de combater a degradação da Amazônia, o pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) David Lapola, um dos autores do estudo, aponta a importância de estratégias inovadoras. O artigo sugere a adoção da proposta denominada “smart forests”, ou florestas inteligentes, inspirada no conceito de “smart cities”, já aplicado às cidades. Trata-se da criação de um sistema de monitoramento com coleta de dados a partir de diferentes tipos de tecnologias, além de ações do poder público para prevenção e coibição do corte ilegal de madeira e controle do uso do fogo.
O segundo estudo originou-se de dados compilados a partir do primeiro Relatório de Avaliação da Amazônia, documento lançado em 2021 pela rede de cientistas do Painel Científico da Amazônia. Se os processos climáticos e geológicos naturais se estendem por milhões a dezenas de milhões de anos, as mudanças causadas pela ação humana na Amazônia podem afetar todo o continente em questão de séculos ou décadas, alerta a pesquisa.
Segundo o time de 19 autores, os principais fatores de impacto no bioma estão relacionados à atividade humana, como desmatamento, incêndios florestais, erosão do solo, represamento de rios e desertificação devido à mudança climática global. Pela importância da Amazônia no ciclo hidrológico planetário, essas transformações têm consequências múltiplas para o bem-estar humano, como insegurança no acesso à água e alimentos e instabilidade política causadas por migrações em massa.
Os ecossistemas e populações da Amazônia são incapazes de se adaptar com a mesma velocidade à rápida transição do ecossistema florestal para uma paisagem agrícola. Assim, os pesquisadores defendem ações imediatas para proteger a biodiversidade, a população e os serviços ecossistêmicos globais associados à Amazônia.
Em entrevista à Agência Bori, Pedro Val, pesquisador do Queen’s College, de Nova York (EUA) e um dos autores do artigo, cita como medidas urgentes a parada completa do desmatamento e a migração para fontes de energia limpa, como eólica e solar, desincentivando a construção de novas hidrelétricas. A economia baseada na exportação de commodities, como as derivadas da agricultura e da mineração, também é danosa e deve ser repensada, pois contribui diretamente para o desmatamento e a degradação da Amazônia.
A ciência faz o alerta: a Amazônia é imprescindível para a regulação do clima global, e sua biodiversidade e serviços ecossistêmicos são essenciais para o bem-estar das pessoas que vivem na região. No entanto, as atividades predatórias colocam todo o bioma em risco de forma acelerada, e os esforços de recuperação ainda não conseguem fazer frente ao estrago gerado pela exploração humana.
Por isso, o poder público deve agir imediatamente para frear a degradação e o desmatamento. Incentivar projetos sustentáveis, desincentivar atividades de grande impacto na floresta e para as comunidades, adotar tecnologias de monitoramento e aplicar corretamente leis de conservação já existentes são alguns dos caminhos para não perdermos a Amazônia, risco ressaltado pela edição da Science.
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