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Anomalia eleitoral

Paulo Delgado
é sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP
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Paulo Delgado
é sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP

A campanha eleitoral começa com muitos acontecimentos, mas nenhuma ideia. A anomalia eleitoral é clara: não há programa de governo em discussão. Melhor acompanhar a eleição sem se precipitar para querer saber o resultado. Campanha é como abotoar uma camisa corretamente: quem errar a primeira casa do botão chega no fim desajeitado. E não adianta largar na frente se você está na estrada errada. Equivoca-se quem imagina que o mundo está muito preocupado com os nossos problemas. Todos são nossos concorrentes. A prioridade do estrangeiro com o Brasil pode até ser politicamente alta, mas é economicamente baixa. Os principais problemas da nossa agenda são o próprio Brasil.

Não há país mais fácil de entrar do que o nosso. No entanto, não há país que menos se esforce para ser atrativo, nem sequer para os brasileiros que querem vencer pelo próprio esforço. Nossos modelos político e judicial não servem para os sucessos social e econômico do País e precisam mudar no próximo governo. Multipartidarismo e Justiça são caros e ruins.

Desde a década de 2000, a política iniciou sua migração para o sistema público de financiamento, a fim de fugir da interação social de ter que prestar contas à sociedade. O partidarismo pago ocupou o lugar do sindicalismo sustentado por imposto. O Congresso aumentou a força econômica do parlamentar do orçamento e, unindo esquerda e direita, fundou uma espécie de CPMF partidária e eleitoral. Perdendo a credibilidade e a representatividade, pretende sobreviver com dinheiro público. Pior: contando com a associação entre voto compulsório e contribuição partidária obrigatória, espera se perpetuar no poder.

Outro grande problema nacional é o Estado ficar contra a sociedade quando se sente estabilizado com o desregramento do poder e a falta de restrição financeira para si mesmo, indiferente à saúde da moeda e às necessidades sociais. Não é a primeira vez que governo, sócio da crise, não gosta de arcar com as consequências do que faz. Dedica‑se a ser popular. Todos terão de falar sobre programas sociais, mas que não usem a pobreza como forma de fazer o pobre subjugado – e nunca livre para poder se dedicar ao que pode ser.

Empresários, trabalhadores e cidadãos, em geral, aguardam as propostas para fazer a melhor escolha. Alguém que enfrente os problemas difíceis e retire o País desta “sauna a vapor” descontrolada pela volta da inflação, pelo desemprego, pela carestia e pelo nível de atividade econômica baixo. Espera‑se uma pessoa de comportamento normal que, ao tomar empréstimo, se sinta endividada e disposta a honrar o pagamento.

É inevitável o debate sobre a força dos costumes que fazem os interesses da corrupção predominarem sobre a responsabilidade da Justiça. É urgente que o Judiciário caia em si e reveja a prática de fazer interpretação própria da lei, ampliando a democracia torta que praticamos. Enquanto membros do governo tiverem o hábito de querer ser sócios de fornecedores, haverá crime de colarinho branco. A lei é frágil como barbante para o poderoso.

Ninguém vence eleição com o voto somente de eleitor igual a ele. Em tempos difíceis, na urna de um vitorioso tem de tudo: raiva, interesse, simpatia, indiferença e niilismo. Uma nação sem um centro democrático forte e convicto imagina que tudo se converte em radicalismo. Precisamos da estruturação de uma governabilidade prévia na campanha para construção de uma estabilidade futura.

O bom candidato – Lula, Bolsonaro, Moro, Ciro, Doria ou Pacheco – tem de estar preparado para governar antes de vencer. É a melhor forma de merecer ganhar.

ESTE CONTEÚDO ESTÁ PUBLICADO NA EDIÇÃO #468 IMPRESSA DA REVISTA PB. A VERSÃO DIGITAL ENCONTRA-SE DISPONÍVEL NA BANCAH.

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