Artigo

Anitta e a ilusão do soft power

Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.
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Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.

Uma cantora brasileira alcançou, na semana passada, o primeiro lugar da playlist Top 50 Global, do Spotify, que lista as músicas mais populares do mundo no serviço de streaming naquele momento. “Envolver”, de Anitta, passou três dias no topo das canções mais ouvidas do planeta. E com a enorme popularidade da artista, da música e das suas coreografias, divulgadas pelas redes sociais, o próprio nome do Brasil e seu potencial de influência internacional acabaram sendo projetados com destaque.

“Percebo que sextou quando a minha aula de Direito Internacional vira um debate sobre se Anitta é o nosso soft power”, publicou o professor de Direito Internacional na Fundação Getulio Vargas (FGV), Thiago Amparo, em sua conta no Twitter. O argumento foi apoiado por vários outros internacionalistas, que comparavam a diva brasileira ao grupo sul-coreano de K-pop BTS, responsável por um aumento exponencial do prestígio do seu país.

A música brasileira realmente costuma ser vista como um ativo do chamado poder brando do Brasil. O soft power é um conceito que se refere à capacidade de um país de influenciar o sistema global sem o uso da força, mas pelo apelo da sua capacidade de convencimento, inclusive pelo uso da cultura. Desde a exportação da bossa nova, do samba e de tantas outras modalidades, a música sempre ajudou a divulgar o Brasil no exterior. E Anitta, de fato, tem uma relevância internacional rara entre artistas brasileiros recentes.

Não é de hoje. A cantora foi citada ao lado de Tom Jobim como exemplo de artistas que fazem o Brasil ter a 8ª melhor marca do mundo em termos de cultura. Anitta é um dos grandes destaques culturais do País na imprensa internacional. O The New York Times já a chamou de “a maior estrela pop do Brasil”; o britânico The Guardian já descreveu a tentativa de elevar a “estrela” a nível global; e o site jornalístico Fair Observer tratou do poder cultural da brasileira de conquistar os ouvidos do mundo. Realmente, parece não haver dúvidas de que Anitta é a face mais evidente da música, impulsionando o soft power brasileiro, ajudando a elevar a imagem do País – por mais que a situação política e social apenas encolha a reputação brasileira.

O problema, entretanto, não é se Anitta representa o Brasil e enriquece seu poder de convencimento no mundo. O ponto central que precisa ser analisado é até que ponto isso tem alguma relevância real na tentativa histórica de o Brasil se tornar um país importante no sistema internacional.

Para observadores externos, a resposta é que este soft power não tem tanta importância assim. Por mais que o poder brando tenha se consagrado nas últimas décadas como um conceito analítico dos mais populares para as relações internacionais, até hoje há pouca comprovação da sua relevância real na política global. E isso cria obstáculos para o Brasil.

O País passou décadas tentando aumentar seu status e conseguir ter um papel mais relevante no mundo, e decidiu apostar justamente no soft power neste processo. E não foi bem-sucedido. Depois de um curto período de “boom” global, crises sucessivas levaram nosso prestígio ao declínio. Para além de problemas internos, que mostraram ao mundo uma Nação de economia e política disfuncionais ao longo da última década, o fracasso da ambição brasileira por se tornar uma grande potência pode ser atribuído à falta de poder bruto, real – hard power, como se diz em relações internacionais.

Para boa parte da comunidade de política externa das grandes potências – entrevistadas durante minha pesquisa de doutorado sobre o prestígio do Brasil no mundo –, o soft power até é relevante e pode ajudar a projeção nacional, mas não é o suficiente. Sem potência militar e econômica, a capacidade brasileira de influenciar a política global se reduziu. E não houve simpatia pela música, pela cultura ou pelo futebol que mudasse isso. Anitta pode até conquistar o mundo da música e ajudar a ampliar a grande simpatia que os outros países têm pelo Brasil. Mas acreditar que isso vai aumentar nossa influência no mundo pode ser só uma ilusão.

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