Alternância de poder é um pressuposto da democracia. Contudo, nos países desenvolvidos, quando se muda o governo, não se alteram políticas públicas recém-implantadas nem se modificam abruptamente as regras de impacto na esfera econômica, como acontece no Brasil. Neste caso, a consequência é evidente: as chances e a expectativa de retorno do capital se reduzem drasticamente à medida que a insegurança jurídica ou fiscal cresce.
Vejamos, no plano macroeconômico, há as discussões acerca da substituição do teto de gastos, instituído por meio de uma emenda constitucional em 2017. Passados seis anos da promulgação da legislação, a regra fiscal está posta em xeque e na iminência de ser substituída por um novo arcabouço fiscal de contornos imprecisos, sem a garantia de que o Estado se torne mais eficiente e menos pesado.
Tome-se ainda o caso da Reforma Trabalhista, aprovada também em 2017, que apresenta resultados notáveis quanto à redução dos processos judiciais, apesar de as novas regras ainda estarem em fase de adaptação na rotina das empresas. Parte do espectro governista, porém, aventa a revisão de alguns destes dispositivos, o que inevitavelmente acarretaria mais insegurança jurídica, afastando investimentos do País.
O maior obstáculo para quem deseja empreender, entretanto, está na esfera tributária, repleta de remendos. A reforma ampla do sistema, ensaiada nos últimos 20 anos, não se concretiza em razão da ganância dos três níveis de governo, sempre dispostos a manter ou ampliar gastos correntes. Para ilustrar o “manicômio tributário” corrente no Brasil, 46 novas regras são criadas todos os dias, fazendo com que as empresas arquem com um custo anual superior a R$ 50 bilhões, entre equipes especializadas, sistemas e equipamentos. Ademais, enquanto a simplificação permanece no campo das promessas, os retrocessos são palpáveis, como na edição da MP que determinou o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
O pior, entretanto, veio da instância máxima do Poder Judiciário, com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a flexibilização da coisa julgada. Assim, se uma decisão do Supremo sobre tributos for revista, o Fisco poderia cobrar o contribuinte retroativamente, em aberta afronta ao artigo 5 da Constituição: “A Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
A Constituição Federal, prestes a completar 35 anos, tem 163 dispositivos ainda não regulamentados. É preciso conviver, também, com esta “jabuticaba” brasileira que é a Medida Provisória (MP). Devia ser exceção, mas tornou-se regra, com 241 medidas editadas no governo passado, muitas delas com o objetivo exclusivo de engordar a arrecadação. Uma centena delas caducou por falta de votação — e quando isso ocorre, os efeitos gerados durante a sua validade entram num limbo jurídico de difícil solução.
Para citar outros exemplos, veja-se o caso do aumento de impostos, pelo Estado de São Paulo, sobre produtos essenciais durante a pandemia, por meio de uma lei que garantiu ao Poder Executivo a possibilidade de reduzir incentivos fiscais de ICMS por decreto. A medida — que causou aumento nos preços de alimentos, como carne e leite, durante a recessão — foi revertida após pressão da opinião pública.
Parafraseando conhecido comentarista de futebol, “a regra é clara”, e se, em campo, o juiz, ao passar por cima dela, acaba por instaurar a confusão, na economia, compromete as possibilidades de crescimento. Sem estabilidade e respeito às regras, quem vai se arriscar a jogar? A retomada dos investimentos depende da continuidade e da previsibilidade na gestão pública, pois o dinheiro não aceita desaforos.
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