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Autonomia do Poder Público fortalece a democracia

Agência BORI
é um serviço único que conecta a ciência a jornalistas de todo o País. Na BORI, profissionais de comunicação cadastrados encontram pesquisas científicas inéditas e explicadas, além de materiais de apoio à cobertura jornalística e contatos de cientistas de todas as partes do Brasil preparados por nós para atender à imprensa. Acesse: abori.com.br
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Agência BORI
é um serviço único que conecta a ciência a jornalistas de todo o País. Na BORI, profissionais de comunicação cadastrados encontram pesquisas científicas inéditas e explicadas, além de materiais de apoio à cobertura jornalística e contatos de cientistas de todas as partes do Brasil preparados por nós para atender à imprensa. Acesse: abori.com.br

A autonomia de instituições e de profissionais do Poder Público é decisiva para produzir benefícios à sociedade e barrar retrocessos de gestões autoritárias. Dois estudos produzidos com a participação de pesquisadoras da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Eaesp), e antecipados à imprensa pela Agência BORI em 2023, reúnem aprendizados para a atuação de gestores públicos em prol da democracia e da garantia de direitos da população brasileira.

Em artigo publicado na Revista Brasileira de Ciência Política em março, pesquisadores da FGV Eaesp e da Universidade de Brasília (UnB) descrevem a relação conflituosa entre a administração de Jair Bolsonaro e os servidores federais. O estudo mostra como as estratégias de opressão utilizadas pelo governo e de resistência dos funcionários públicos foram sendo modificadas e aprimoradas ao longo da experiência de convivência nos últimos quatro anos. A pesquisa é baseada em entrevistas realizadas em 2020 com 165 servidores federais de 15 órgãos governamentais.

À BORI, a pesquisadora Gabriela Lotta, autora principal do estudo, explica que os representantes do governo apostaram em opressões individuais contra os servidores. Constrangimentos por canais informais, de mensagens de texto e punições exemplares — como remoção ou exoneração de cargo — a funcionários escolhidos como “bodes expiatórios”, criaram um clima de medo que tornou mais difíceis e custosas as reações dos burocratas. Com isso, as estratégias de resistência dos servidores públicos passaram a ser formais e coletivas, como na contestação de medidas do governo na Justiça e em outras iniciativas com representação de associações e sindicatos, o que evitava a exposição individual.

Segundo a autora, as fragilidades institucionais identificadas pelo trabalho, como o parco acolhimento das instâncias de denúncia, devem servir de aprendizado para o atual governo — afinal, a democracia depende de o poder público conseguir exercer plenamente as próprias capacidades de execução e regulação de políticas, a fim de assegurar os direitos básicos dos cidadãos.

Fiocruz é exemplo de sucesso

Artigo de pesquisadores da FGV Eaesp e da London School of Economics (LSE), do Reino Unido, destaca o sucesso da parceria entre a farmacêutica AstraZeneca e o laboratório Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na produção da vacina contra a covid-19 no Brasil. O estudo de caso publicado na revista internacional Research Policy identificou três principais razões para esta política exitosa no combate à pandemia no Brasil: a capacidade produtiva do laboratório, a habilidade política da Fiocruz em firmar acordos de transferência de tecnologia e a contribuição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que flexibilizou regulamentos e acelerou processos diante da gravidade da situação.

Sendo assim, os pesquisadores realizaram entrevistas com informantes-chave da fundação, além de análise de documentos e arquivos. Em entrevista para a Agência BORI, Elize Massard da Fonseca, autora principal do estudo, destaca a tecnologia de Bio-Manguinhos como fator decisivo para o interesse da AstraZeneca na produção com o laboratório brasileiro: “A experiência e o know-how com a cultura de células em biorreatores e purificação de proteínas foram cruciais para que Bio-Manguinhos conseguisse simplificar os protocolos de produção — dada a urgência de produzir o imunizante no auge da pandemia de covid-19 e diante de interrupções nas cadeias globais”, aponta a pesquisadora.

Além da expertise da instituição pública, o momento político foi favorável para a parceria. Embora a gestão de Jair Bolsonaro tenha sido marcada pelo negacionismo científico, a concorrência de protagonismo com o Governo do Estado de São Paulo, que apostou no desenvolvimento da vacina Coronavac em parceria com a empresa chinesa Sinovac no Instituto Butantan, durante a pandemia — em decorrência da expectativa da opinião pública pela produção de um imunizante brasileiro — representou uma janela de oportunidade para a Fiocruz articular o acordo com a AstraZeneca.

As pesquisas evidenciam os desafios para a manutenção de políticas públicas durante o governo Bolsonaro, mas apresentam a qualificação das instituições e dos burocratas como caminho para o fortalecimento das ações em defesa dos interesses da sociedade. Conhecimento técnico e habilidade política podem caminhar de mãos dadas para produzir bons resultados em áreas fundamentais para o bem-estar da população, como Ciência e Saúde.

Ao garantir a autonomia desses atores e respeitar suas capacidades, os gestores também saem ganhando com o sucesso das iniciativas. A sociedade, por sua vez, ao compreender os processos de formulação de políticas públicas, se aproxima da experiência de cidadania possível somente na democracia.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.