Artigo

Base para florescer

Nacime Salomão Mansur
é médico e superintendente das instituições afiliadas da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM)
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Nacime Salomão Mansur
é médico e superintendente das instituições afiliadas da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM)

Períodos de guerra são, também, de grande inovação; as crises sempre trazem mudanças positivas, mesmo frente às maiores adversidades. No entanto, para isso, precisamos consolidar as experiências, as lições.

A necessidade de respostas rápidas no enfrentamento da pandemia de covid-19, um problema de proporções mundiais, altamente complexo, mostrou evidentes fragilidades na governança estatal e na organização da sociedade. Contudo, também evidenciou aspectos positivos, como a existência de um sistema de saúde público e universal, o Sistema Único de Saúde (SUS), que demonstrou capacidade de organização e gestão, oferecendo respostas valorosas diante das necessidades da população.

A ação vigorosa do SUS e dos profissionais de saúde não pode obscurecer a falta de uma liderança nacional que congregasse os esforços no enfrentamento da pandemia. Lamentavelmente, ocorreu uma mistura deletéria de ciência com populismo sanitário, politizando o que deveria ser lastreado nas melhores evidências científicas.

A pandemia desnudou também uma chaga social: a péssima distribuição de renda e a obscena desigualdade social. Importante ressaltar o valor da colaboração social na rede de solidariedade que se criou – expresso em doações, voluntariado, entre outras iniciativas.

Destacada ficou a fragilidade da cadeia de suprimentos (medicamentos, equipamentos de proteção individual e testes de diagnóstico), na dependência de outros países. O Brasil precisa definir o que é estratégico neste setor, no estímulo à produção nacional de equipamentos (respiradores, monitores, etc.), bem como insumos de proteção individual, de baixo valor agregado (máscaras, aventais, etc.). Não se pode permitir a quebra nesta cadeia de suprimentos, que põe em risco todo o sistema.

A pandemia, por acelerar tendências ou exigir respostas rápidas, trouxe a percepção da necessidade de inovação/tecnologia, como a telemedicina, que deve ser incorporada de forma permanente. Aspecto a enfatizar foi a sentida necessidade de uma estrutura e de estímulos para pesquisa científica, no desenvolvimento de novos produtos, em busca da melhor evidência na produção de conhecimento e na sinergia de rede estruturada de pesquisa entre universidades, iniciativa privada e SUS.

Outro quesito de primordial importância é a melhoria na qualidade do sistema educacional, aparelho formador de profissionais da saúde. Isso porque tivemos muitas dificuldades na contratação de profissionais, principalmente médicos, e houve necessidade de esforço substancioso no treinamento e na capacitação dos profissionais, em pleno desenrolar da pandemia.

Até que haja uma vacina e a imunização em larga escala da população, devemos conviver com o covid-19 e outras patologias. Esse é o desafio que nos espera em 2021, agravado pela situação fiscal do Estado, além de piora da condição social, aumento do desemprego, incremento da população dependente do SUS e agravamento da incidência de doenças mentais.

Nesta situação conflituosa, a sociedade exige dos governos total transparência, compliance e participação na utilização dos parcos recursos e na discussão de novas soluções.

Espero que ao afirmarmos que “nada será como antes” e que teremos um “novo normal”, estejamos nos referindo ao que não estava bom, particularmente quanto a desigualdade social, distribuição de renda, trato do meio ambiente, questões climáticas, saneamento básico, entre outros. Que esta experiência traumática e avassaladora possa criar as bases para o florescimento de uma sociedade mais justa e mais humana.

Este texto foi publicado na edição especial da PB em parceria com o canal UM BRASIL. Ao longo do mês de janeiro, o conteúdo completo da revista será oferecido no site da PB

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