Foi com a #BolsonaroEvitouAGuerra nos assuntos mais comentados do Twitter que o Brasil acordou na terça-feira passada, 15 de fevereiro. A primeira reação de muitos – e admitimos que também foi a nossa – foi achar todo aquele movimento delirantemente engraçado. Frases como “só pode ser brincadeira”, “quem acreditaria nisso?”, pululavam nos nossos pensamentos e nos comentários em grupos acadêmicos.
Até que o sinal de alerta foi soado quando percebemos, ao observar na mesma rede social, que figuras políticas importantes (e até o próprio presidente) estavam insinuando que aquilo seria, de alguma maneira, verdade.
Primeiro, pontuemos àqueles que estiveram na Lua nas últimas semanas: a tal guerra “evitada” seria entre Rússia e Ucrânia, conflito que envolve interesses territoriais e vem gerando tensões complexas não somente entre os dois países, mas também entre russos e países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da União Europeia.
Mas voltando à “vaca fria”, “o que é que Bolsonaro tem a ver com isso?”. Bom, nada. Mas como “quem conta um conto aumenta um ponto”, ainda mais quando se trata da extrema-direita na internet, a coisa foi virando um monstro.
Ressalte-se que, a despeito da recomendação de qualquer escola diplomática minimamente sensata, o presidente brasileiro lá foi fazer uma visita ao Kremlin em um momento delicado. Há especulações que a visita se deu porque Joe Biden, presidente norte-americano, não estaria atendendo às ligações do brasileiro – mas aí já é fofoca palaciana que a gente não acredita… e também não desacredita.
O fato concreto é que, pouco antes de Bolsonaro desembarcar em Moscou, por volta das 10h, no horário de Brasília, e 16h, no horário local, Vladimir Putin, presidente russo, ordenou a retirada de algumas tropas que estavam fazendo exercícios militares próximos à fronteira da Ucrânia. E foi este o fato que deu o start para a escalada desinformacional que se viu nas redes sociais.
Um dos tuítes que insinuava que Bolsonaro seria o arauto da paz internacional veio da própria conta oficial do presidente, às 7h52, em que a composição mensagem e imagem se encontram a seguir.
Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro e ainda uma voz importante do círculo bolsonarista, cobrou que o mundo ocidental agradecesse ao presidente.
E depois insinuou que o presidente deveria receber o Prêmio Nobel da Paz…
O ministro Gilson Machado Neto, da pasta do Turismo, também postou acerca da questão, levantando que Bolsonaro seria “o maior líder conservador do planeta”.
As imagens em detalhes…
O susto que tomamos ao ver lideranças fazerem este tipo de postagem, e sem nenhum adendo de que se tratava de uma brincadeira, fez que encampássemos com nosso grupo de pesquisa um levantamento das atividades do Twitter que envolviam a hashtag #BolsonaroEvitouAGuerra¹.
Antes de entender o que se passou, sublinhemos que fenômenos sociais vistos por meio de mídias sociais, como o Twitter, possibilitam ao pesquisador(a) a percepção da grandeza e os sentidos dos debates públicos.
A primeira informação relevante é que a hashtag #BolsonaroEvitouAGuerra foi postada na rede social citada mais de 80 mil vezes. O gráfico a seguir mostra a rede com essa hashtag,na qual em azul estão os tuítes orgânicos, ou seja, os posts originais criados por usuários. Já em vermelho estão, ao centro do gráfico, as interações provenientes de retuítes, ou seja, de replicações das mensagens originais, o que nos mostra que a rede de postagens com #BolsonaroEvitouAGuerra é formada, principalmente, por pessoas que apenas replicaram discursos já feitos por outros autores. O que podemos classificar como câmaras de eco. Assim, de maneira preliminar, podemos considerar que a rede da #BolsonaroEvitouAGuerra é formada, principalmente, por apoiadores de Bolsonaro que se organizam em comunidades com o intuito de compartilhar quaisquer informações de apoio ao presidente, mesmo que a informação seja falsa.
Uma segunda análise interessante acerca desta rede foi identificar os perfis que mais interagiram a partir da hashtag e que mais criaram tuítes (e retuítes). O gráfico gerado, utilizando como parâmetro principal os perfis que mais interagiram com os demais – por meio da #BolsonaroEvitouAGuerra –, nos mostra que a hashtag em questão nasceu e se manteve ativa única e exclusivamente por ação de apoiadores do presidente. Os perfis destacados no gráfico pertencem a perfis bolsonaristas, como: @vivianrecife, @rclpatriota, @marisayoshizane, @andr20399566, que, em geral, só reproduzem conteúdo em apoio a Bolsonaro, além de compartilhar em suas redes os tuítes criados por outros apoiadores. Neste gráfico, é possível verificar que a rede bolsonarista tem potencial para colocar assuntos diversos nos trending topics (assuntos mais comentados) da rede social, mesmo se o assunto promovido não recebe tanta atenção assim pelos perfis que não apoiam o presidente.
Talvez alguns possam se perguntar se, de fato, posts de uma hashtag no Twitter deveriam ser preocupantes. Bom, sabemos que a citada rede social, apesar de não ser a mais popular no Brasil, consegue pulverizar o que lá é dito por meio de print screens postados em outras redes, fazendo o post se espalhar rapidamente como uma onda pela internet e, assim, chegar aos diversos rincões, do grupo da família do WhatsApp ao grupo de militantes políticos no Telegram. Isto é, a mensagem disparada não tem volta. E no Brasil, o país que mais acredita em fake news – segundo pesquisa do Instituto Ipsos –, este espalhamento de desinformação se torna especialmente preocupante². Além disso, políticos brasileiros (e em quase todo o mundo) têm usado o Twitter para pontuar opiniões políticas oficiais e demarcar posicionamentos. Logo, postagens naquela rede social a partir de contas oficiais são, muitas vezes, usadas como fontes jornalísticas e observadas por entidades governamentais e privadas, além de cidadãos. Isso significa que o que acontece online contamina o que acontece offline e vice-versa, o que faz com que sejam dois lados de uma mesma moeda.
A estratégia de Bolsonaro e bolsonaristas de pulverizar desinformação a respeito de um suposto protagonismo diplomático tinha como objetivo mudar a visão da opinião pública, principalmente depois de diversos vexames em que o presidente apareceu isolado em reuniões internacionais, como na 76ª Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro, e na Reunião do G20, em outubro, ambos no ano passado. E o plano parece que deu certo, ao menos para o convencimento de sua base. Segundo pesquisa Quaest-CNN, 22% acreditaram na notícia falsa sobre recuo de tropas russas a pedido de Bolsonaro³.
Todo este imbróglio é só uma pequena amostra do que pode acontecer neste ano eleitoral. Por este motivo, acadêmicos, instituições políticas e movimentos sociais têm batido na tecla da necessidade de que Estado e mercado, principalmente as grandes empresas de tecnologia, estejam comprometidos em pensar soluções para garantir que os ambientes digitais evitem a circulação massiva de notícias falsas e absurdas. Isso porque já é sabido que grupos com interesses escusos possuem as ferramentas e os meios para compartilhar informações e receber o apoio necessário para o sucesso dos seus planos e interesses. Vivemos tempos que por mais absurda que uma mensagem possa ser, o seu alcance é imenso, e pessoas acreditarão nela. A resultante desse espalhamento de mentiras pode comprometer a própria democracia, dado que o cidadão tomará decisões e posicionamentos se pautando em informações falsas.
¹ Este levantamento foi feito dentro do grupo de pesquisa constituído por pesquisadores das Ciências Sociais da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), do mestrado em Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e do “Politik – Centro de Estudos em Instituições, Participação e Cultura Política”, da Univasf. Agradecemos especialmente aos colegas Laio Araújo, Victor Matheus, Raquel de Souza e Gabriela Gil pela contribuição ao debate.
² “Brasil é o país que mais acredita em fake news no mundo” https://www.terra.com.br/noticias/brasil-e-o-pais-que-mais-acredita-em-fake-news-no-mundo,acbdeccec78a0351201bafd2285942a0b1ehpqxx.html
³ “Vinte e dois por cento acreditam em notícia falsa sobre recuo de tropas russas a pedido de Bolsonaro, diz pesquisa” https://www.cnnbrasil.com.br/politica/22-acreditam-em-noticia-falsa-sobre-recuo-de-tropas-russas-a-pedido-de-bolsonaro-mostra-pesquisa/
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