Artigo

Bolsonaro, o iliberal brasileiro

Paulo Delgado
é sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP
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Paulo Delgado
é sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP

Pela maneira como governou o País no ano passado, o presidente da República começa 2021 sem saber se democracia, liberalismo, combate à corrupção, reformas, emprego, inflação, renda e vacina farão parte do seu legado positivo e estão de acordo com a esperança e as razões da revolta que o elegeram.

Se o temperamento conflitivo, a ênfase na mudança de costumes, o gosto pelas redes sociais, as críticas à retidão do processo eleitoral à moda Trump e a defesa das reformas (que não aconteceram), no início, chamavam atenção, com a pandemia e outros tropeços passaram a despertar curiosidade e dúvida. Muitos se perguntam onde pode parar um governo com tanto fôlego para a polêmica e pouco horizonte prático para a resolução de problemas.

Quando o presidente se recusou ao dever de coordenar nacionalmente as ações de proteção à saúde em virtude da pandemia, confrontando e demitindo dois ministros‑médicos, para substituí‑los por um militar sem conhecimento da área, perdeu a chance de se tornar o líder da Nação. Até ver a vacinação no País, a mais atrasada campanha entre os desenvolvidos e emergentes, se iniciar por São Paulo, Estado governado pelo seu maior adversário.

Confusões fizeram 2020 transcorrer tomado pela polêmica inútil sobre saúde‑doença, debatida exaustivamente pelos governos do mundo na direção contrária ao que sustentava o Planalto. O País, confundido pelas diversas versões da pandemia, estimuladas pela ação do presidente, não conseguiu colocar o Sistema Único de Saúde (SUS), sua maior força, com a maior vantagem possível. E assiste diariamente à morte de centenas de brasileiros, os quais veem o presidente não mostrar misericórdia pelo outro, mas pedir compreensão para si. Não deu outra: contra o isolamento dos brasileiros, quem mais se isolou foi o presidente.

Outro fato marcante de 2020, explicável pela maneira intempestiva com que Bolsonaro governa, foi seu rompimento com o principal símbolo de combate à corrupção nos últimos anos, o ministro da Justiça Sergio Moro. A partir daí, as ações anticorrupção, centradas fortemente na suspeita sobre agentes públicos e o sistema político, ficaram no passado, mudaram de rumo e o governo passou a investir na criação de uma estrutura de forças armadas para as polícias estaduais.

Montado em certeza insustentável de que a democracia como funciona não tem jeito, cooptou o mais tradicional grupo informal e volúvel do Congresso, o “Centrão”, para criar uma base parlamentar mínima depois de perder o apoio do partido pelo qual se elegeu. Sem medir as consequências para a credibilidade do Poder Legislativo, ampliou as críticas ao processo eleitoral e tirou da cartola, como mágico, a condenação das urnas eletrônicas vendo fraude em tudo, como um Brizola fora de época. Percebendo que se enfraqueceu nas eleições municipais, esqueceu suas críticas ao Congresso e decidiu participar ativamente da sua sucessão.

Entretanto, de todas as excentricidades, a mais interessante é a forma como pratica as ideias liberais que propaga. Com o seu terceiro ano de governo se iniciando com uma combinação de ausência de reformas estruturais, baixa renda com juros baixos, desemprego, sinais de inflação, reestruturação da geopolítica mundial e discurso ambiental oficial adverso, pior do que o alto preparo das empresas do agronegócio em termos de preservação da natureza, a segunda onda de infecções pelas mutações do vírus, 2021 já é um ano de altíssima incerteza. Uma consagração preocupante das ideias e das ações do maior iliberal brasileiro.

ESTE TEXTO FOI PUBLICADO NA EDIÇÃO #462 DA PB.

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