Artigo

Brasil na contramão

Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.
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Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.

Os jornais britânicos assumiram um tom otimista quando o premiê Boris Johnson anunciou, em meados de fevereiro, o plano nacional para reabertura após meses de quarentena com fortes restrições em todo o Reino Unido. Graças ao confinamento e à vacinação maciça, “o fim está à vista”, “estamos a caminho da liberdade”, diziam algumas das manchetes. Discurso semelhante tem tomado conta da atitude nos Estados Unidos, com o presidente Joe Biden prometendo vacinar a população em risco até o verão do Hemisfério Norte [final de junho]. Os dois países se aproximam da volta a alguma forma de normalidade, superando o pior da pandemia.

No mesmo período em que governos que enfrentam a propagação de covid-19 com base em argumentos científicos e com foco na proteção da população começam a caminhar para um futuro livre da pandemia, o Brasil acelera na contramão.

Na semana em que o País completou um ano desde que foi registrado o primeiro caso do novo coronavírus, em 25 de fevereiro, o Brasil atingiu seu recorde de mortes diárias, com média de 1.208 vítimas por dia – já são mais de 255 mil no total.

A situação dramática do País, com alta de infecções e mortes, ocorre enquanto vários Estados indicam saturação da sua capacidade de oferecer atendimento médico aos contaminados. O processo de vacinação no Brasil é lento, faltam imunizantes, e não há uma perspectiva de conseguir limitar os impactos da doença por esta via. Para piorar, registra-se ainda uma redução gradativa no respeito a recomendações de distanciamento social. O Brasil parece preparar a receita perfeita para um mergulho no caos da pandemia.

O contraste entre a realidade de países que caminham para se livrar da pandemia e o Brasil é gritante. Mesmo com muitos erros ao longo do ano em que o covid-19 varreu o mundo, países como os citados Estados Unidos e Reino Unido trabalharam para corrigir o rumo do combate à doença. A aposta em vacinas (de vários laboratórios) e em confinamento mais restritivo mostrou que pode render resultados positivos. Por mais que os efeitos de curto prazo sejam dolorosos para a economia, essa se mostra a forma mais garantida de apostar numa retomada no longo prazo.

No Brasil, por outro lado, mesmo enquanto médicos, infectologistas e mesmo os governos estaduais acendem sinais de alerta, o governo federal continua rejeitando seguir os modelos de sucesso de países civilizados.

Na semana em que o País atingiu sua média de recordes de mortos, e o presidente Jair Bolsonaro voltou a rejeitar o acordo para compra de vacina da Pfizer, discursou contra o distanciamento social, contra o uso de máscaras e se negou a autorizar que o Ministério da Saúde determinasse uma política nacional única de restrições para frear o coronavírus. Repetindo um discurso em defesa de uma suposta liberdade e de uma fictícia retomada da economia, o governo continua no sentido contrário ao da solução da pandemia.

Ao negacionismo do presidente, junta-se uma postura igualmente nociva de parte da própria população. Sem dúvida, estão cansados das medidas de isolamento, e por isso muitos brasileiros têm se comportado como se estivessem na Londres de julho de 2021, quando as restrições devem ser encerradas e a normalidade das atividades retomada. Desde as festas de fim de ano, passando pelo Carnaval e por qualquer fim de semana, são frequentes as festas e bares cheios de pessoas que seguem o modelo do governo e dão munição para o discurso negacionista. E governos de Estados e municípios que tentam decretar quarentena enfrentam oposição e protestos por todos os lados, o que tira a força de qualquer medida deste tipo.

O Brasil é o segundo país do mundo com mais mortos pelo covid-19. Ao mesmo tempo, tem a pior política nacional de combate à pandemia, segundo a Covid Performance Index, pesquisa divulgada em janeiro pelo Instituto Lowy, baseado em Sidney, na Austrália. Enquanto a vacina e as políticas com foco em frear a doença começam a dar resultado em cada vez mais países, o governo brasileiro parece redobrar as apostas que têm se mostrado equivocadas ao longo do ano. O Brasil acelera na contramão e se encaminha propositalmente para um abismo que vai levar à morte de dezenas de milhares de brasileiros que poderiam ser salvos por uma política que seguisse as recomendações da ciência.

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