A violência contra a mulher faz vítimas diárias no Brasil e vê os números aumentarem a cada ano. De 2019 a 2022, a taxa de feminicídio aumentou em 10,8%, segundo dados exclusivos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública para a reportagem do G1. Dois estudos recentes de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV/Eaesp), com outras universidades parceiras, abordam formas como as mulheres superam a violência, seja empreendendo e gerando renda em hortas urbanas, seja relatando as próprias dores em blogs.
No livro Agricultura na cidade: o cultivo de alimentos e do comum pelas mulheres (Ícone Editora), a socióloga Laura Carvalho e a professora Márcia Tait investigam projetos de agricultura urbana na zona leste de São Paulo e em bairros sociais de Lisboa, em Portugal. O trabalho de campo revela como estes espaços existem – em meio a um cenário tomado por carros, rodovias e prédios altos – e dão oportunidade para a formação política e a geração de renda a mulheres em situação de vulnerabilidade.
Na obra, que surgiu da tese de doutorado de Laura, defendida na Faculdade de Saúde Pública da USP em 2021, as duas pesquisadoras contextualizam o surgimento de hortas nas cidades, os problemas que as propriedades familiares enfrentam e trazem três exemplos chefiados por mulheres na capital paulista.
O foco no trabalho e na geração de renda feminina não era a ideia inicial do projeto, mas foi uma questão imposta durante o andamento da pesquisa. “Todas tinham histórias de violência, então, fui entender as origens disso”, conta a socióloga. “Atuar nessas hortas permitiu a elas se desvencilharem de situações de muita violência, de maridos, namorados ou terceiros”, observa Laura. As autoras exploram hortas urbanas com práticas agroecológicas chefiadas por mulheres. No cotidiano, são raros os casos em que há ajuda de parceiros, mas outros membros da família também atuam na produção, classificada como agroecologia familiar.
A maioria dessas famílias é composta por pessoas de outras regiões do País, principalmente do Nordeste, que foram para São Paulo em busca de trabalho. Assim, o cultivo se torna um negócio. Laura considera que exista um componente de empreendedorismo na prática da agroecologia urbana, principalmente entre as mulheres. Além disso, elas encontram também uma maneira de resgatar as origens rurais, comuns entre os que chegam à capital paulista. “Elas têm uma memória afetiva com a agricultura, muitas vêm de fazendas, chácaras, da roça”, diz.
Nos últimos anos, estas pessoas viram a demanda por alimento aumentar, principalmente durante a pandemia. Em parceria com Organizações Não Governamentais (ONGs) e empresas privadas, conseguiram se articular para oferecer assistência. Os problemas enfrentados pela agricultura familiar urbana durante a crise sanitária também são registrados em Agricultura na cidade. “A fome piorou nesse período, as pessoas da região de São Paulo também estão em extrema vulnerabilidade nutricional e insegurança alimentar”, observa a socióloga.
Para manter as hortas em funcionamento, a dupla destaca a importância de políticas públicas voltadas à agroecologia urbana. “A prática é muito mais do que um método de produção de alimentos. Trabalha com questões estruturais, sociais, históricas, articula-se em redes e promove a emancipação”, enumera Laura Carvalho. “De fato, transforma vidas das mulheres e de suas famílias.”
O compartilhamento de experiências de agressão pode, também, ser uma forma de reconstruir a integridade das vítimas de violência sexual. Estudo de pesquisadores da FGV/Eaesp, em parceria com outras instituições, mostra que blogs oferecem este espaço seguro para expressão de traumas – e que nove entre dez vítimas fazem os relatos de forma anônima.
Os pesquisadores analisaram 33 postagens em sites com histórias de vítimas sobre atos de violência sexual cometidos por parceiros. A coleta de dados, que ocorreu em 2018 e 2019, por meio do Google, recuperou, inicialmente, 347 postagens. A análise considerou somente textos escritos em primeira pessoa e publicados na blogosfera brasileira.
A falta de acolhimento à vítima de violência sexual nas delegacias e a dificuldade de abandonar a relação com o parceiro, por causa da dependência financeira, são alguns dos temas presentes nos relatos dos diários virtuais. Segundo a análise, muitos têm relação com a cultura do estupro, na qual as mulheres são subjugadas e culpadas pela violência que sofrem, mesmo em instâncias de proteção do Estado.
Outra dimensão da análise é a tecnológica, que indica a publicação em páginas pessoais como um caminho de autoafirmação e empoderamento de vítimas de abusos que decidem contar o que vivem. Os pesquisadores ressaltam que em apenas três dos 33 depoimentos as vítimas se identificam. “O anonimato nos blogs fornece um espaço virtual seguro às vítimas, contrapondo-se ao ambiente inseguro gerado pela violência sexual. Ali, elas conseguem se revelar, expressar dúvidas, sofrimentos e necessidades de escapar da vitimização”, explica Eduardo Diniz, pesquisador da FGV/Eaesp e um dos autores do estudo.
Diniz aponta, ainda, que esses sites podem ajudar as vítimas a reconstruir a própria integridade, rompida por traumas e agressões. “Além de expressar um aumento no bem-estar psicológico, as blogueiras experimentam, também, uma profunda sensação de empoderamento”, completa o pesquisador.
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