Artigo

Capitalismo, “tragédias” e o “phodas”

Helga Almeida
é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Helga Almeida
é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Fato: 20% do território de Maceió está afundando.[i]

E “afundando” aqui não é uma força de expressão, não, é literal mesmo. Nos últimos anos, a capital de Alagoas tem visto os bairros de Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e uma parte do Farol sofrendo tremores de terra, testemunhando o próprio solo soçobrar e assistindo ao surgimento de uma cratera de 152 metros de raio, inclusive afetando a Lagoa Mundaú. Além disso, 14 mil imóveis foram gravemente afetados, 60 mil pessoas tiveram de deixar suas casas e 200 mil habitantes foram afetados no geral.[ii] Todo esse desastre se deu pelo colapso de uma das 35 minas de sal-gema que a empresa Braskem vem explorando desde 1970 — considerado o maior crime ambiental em solo urbano em curso no Brasil. Importante ressaltar que já havia estudos de, pelo menos, uma década atrás que indicavam o risco iminente de uma catástrofe.[iii]

A história da Braskem é chocante, mas não é de hoje que grandes corporações exploram de forma inescrupulosa e completamente descuidada o território brasileiro. Então, quando o pior acontece, dizem que foi uma “tragédia”. Nomeiam essa palavra como se o imprevisto tivesse acontecido, em vez de assumirem que não se atentaram aos riscos de exaurir drasticamente recursos de certo local em razão de pura ganância capitalista.

O caso de Mariana e Brumadinho vão na mesma toada. Em 2015, houve o rompimento da barragem de Fundão, de responsabilidade da empresa Samarco Mineração, que deixou 15 pessoas mortas e gerou impacto generalizado à bacia do rio Doce, em Minas Gerais e Espírito do Santo. Já em 2019, houve o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, de responsabilidade da empresa Vale, dessa vez fazendo 270 mortos e degradando a bacia do Rio Paraopeba, afluente do Rio São Francisco.[iv]

No entanto, nem só de desastres ambientais vivem os acionistas super-ricos de megaempresas. Neste ano, a Americanas S/A, que tem como principais portadores de ações Jorge Paulo Lemann, Beto Sucupira e Marcel Telles,[v] informou inicialmente ao mercado a detecção de inconsistências contábeis em demonstrações financeiras de exercícios anteriores da ordem de R$ 20 bilhões.[vi] Logo depois, o rombo contábil foi reestimado — e se conjectura estar na casa dos R$ 42,3 bilhões.[vii] O problema disso é que o caso da Americanas, como apontou precisamente o Dieese, envolve 2 mil fornecedores, 3,6 mil lojas físicas e 44 mil funcionários, juntamente com os empregados indiretos, que são 100 mil trabalhadores. Só de credores são mais de 16 mil,[viii] sendo alguns deles nada mais, nada menos que Deutsche Bank (R$ 5,2 bilhões), Bradesco (R$ 4,5 bilhões), Santander Brasil (R$ 3,6 bilhões), BTG Pactual (R$ 3,5 bilhões), Votorantim (R$ 3,2 bilhões), Itaú (R$ 2,7 bilhões), Safra (R$ 2,5 bilhões), Banco do Brasil (R$ 1,3 bilhão) e Caixa Econômica Federal (R$ 501 milhões). Enfim, os impactos gerados com um rombo dessa dimensão não ficarão restritos ao setor financeiro — algumas entidades já apontam para um endurecimento das condições gerais de crédito no Brasil.

Todas as três situações chamam a atenção para o modus operandi “phodas” (pardonnez, mon français) das elites econômicas em um país periférico como o Brasil. A assunção de correr risco ambiental ou econômico em busca de lucros ainda maiores, inclusive a admissão da possibilidade de mortes de pessoas, é escolha que tem sido reiteradamente feita pela classe dominante brasileira. A opção pelo risco vem da certeza da impunidade, dado que as elites econômicas estão entrelaçadas às elites governantes, como já apontavam Pareto,[ix] Mosca[x] e Michels.[xi]

No caso da Braskem, há denúncias de que as indenizações não são suficientes e de que as pessoas estão entregando as escrituras das casas para a empresa. Contudo, aquela é uma área nobre de Maceió, com tendência a se valorizar bastante depois que a questão geológica se estabilizar. Com isso, a Braskem lucrará mais uma vez, agora por ser dona da região da catástrofe.[xii] Por tudo isso, já há rumores de que a CPI da Braskem está em via de ser aberta no Senado.[xiii] Nos casos dos crimes ambientais de Mariana e Brumadinho — nove e quatro anos depois, respectivamente —, ainda se discute a reparação aos moradores do local, dado o fracasso do “remendo” conduzido pela Fundação Renova (representante das empresas).[xiv] Já no caso da Americanas, considerado a maior fraude da história corporativa do Brasil, ocorreu o pedido de recuperação judicial, em que se pede à Justiça a renegociação de débitos com os credores. Além disso, a empresa que é, em sua maioria, controlada por três dos homens mais ricos do Brasil, os quais afirmam não saber da fraude. E apesar de contarem, inclusive, com os próprios filhos no conselho de administração das empresas, querem um abatimento de 80% das dívidas para não falir.[xv]

É isso…

C’est la belle vie des super riches au pays du chaos, le phodas cest le normal (versinho meu).


[i]https://www.brasildefato.com.br/2023/12/10/braskem-bairro-em-maceio-esta-afundando-meio-centimetro-por-hora-segundo-defesa-civil [ii]https://www.terra.com.br/noticias/mina-da-braskem-em-maceio-se-rompe-o-que-aconteceagora,78a943e9d932901ee086e72f5e7b1c0dso1axc75.html [iii] https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/colapso-em-mina-de-maceio-veja-o-que-se-sabe-sobre-o-caso/ [iv] https://www.camara.leg.br/noticias/991188-comissao-faz-nova-reuniao-para-discutir[v]https://www.moneytimes.com.br/a-maior-fraude-da-historia-corporativa-do-brasil-o-caso-americanas-amer3/ [vi]https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2023/sinteseEspecial12.html[vii] https://www.moneytimes.com.br/a-maior-fraude-da-historia-corporativa-do-brasil-o-caso-americanas-amer3/[viii] https://www.brasildefato.com.br/2023/01/24/as-falhas-que-podem-ter-levado-ao-rombo-nas-lojas-americanas[ix] Leia mais em As elites e o uso da força na sociedade, de Valfredo Pareto.[x] Leia mais em A classe dirigente, de Gaetano Mosca.[xi] Leia mais em A lei de ferro da oligarquia, de Robert Michels.[xii] https://www.brasildefato.com.br/2023/12/05/cpi-sobre-caso-braskem-precisa-mirar-nos-responsaveis-e-envolver-a-sociedade-diz-ativista[xiii] https://valor.globo.com/politica/noticia/2023/12/11/pt-decide-fazer-indicaes-cpi-da-braskem.ghtml[xiv] https://www.camara.leg.br/noticias/991188-comissao-faz-nova-reuniao-para-discutir[xv] https://www.brasildefato.com.br/2023/11/17/empresa-de-bilionarios-americanas-quer-ate-80-de-desconto-em-dividas-para-nao-falir

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