Fato: 20% do território de Maceió está afundando.[i]
E “afundando” aqui não é uma força de expressão, não, é literal mesmo. Nos últimos anos, a capital de Alagoas tem visto os bairros de Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e uma parte do Farol sofrendo tremores de terra, testemunhando o próprio solo soçobrar e assistindo ao surgimento de uma cratera de 152 metros de raio, inclusive afetando a Lagoa Mundaú. Além disso, 14 mil imóveis foram gravemente afetados, 60 mil pessoas tiveram de deixar suas casas e 200 mil habitantes foram afetados no geral.[ii] Todo esse desastre se deu pelo colapso de uma das 35 minas de sal-gema que a empresa Braskem vem explorando desde 1970 — considerado o maior crime ambiental em solo urbano em curso no Brasil. Importante ressaltar que já havia estudos de, pelo menos, uma década atrás que indicavam o risco iminente de uma catástrofe.[iii]
A história da Braskem é chocante, mas não é de hoje que grandes corporações exploram de forma inescrupulosa e completamente descuidada o território brasileiro. Então, quando o pior acontece, dizem que foi uma “tragédia”. Nomeiam essa palavra como se o imprevisto tivesse acontecido, em vez de assumirem que não se atentaram aos riscos de exaurir drasticamente recursos de certo local em razão de pura ganância capitalista.
O caso de Mariana e Brumadinho vão na mesma toada. Em 2015, houve o rompimento da barragem de Fundão, de responsabilidade da empresa Samarco Mineração, que deixou 15 pessoas mortas e gerou impacto generalizado à bacia do rio Doce, em Minas Gerais e Espírito do Santo. Já em 2019, houve o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, de responsabilidade da empresa Vale, dessa vez fazendo 270 mortos e degradando a bacia do Rio Paraopeba, afluente do Rio São Francisco.[iv]
No entanto, nem só de desastres ambientais vivem os acionistas super-ricos de megaempresas. Neste ano, a Americanas S/A, que tem como principais portadores de ações Jorge Paulo Lemann, Beto Sucupira e Marcel Telles,[v] informou inicialmente ao mercado a detecção de inconsistências contábeis em demonstrações financeiras de exercícios anteriores da ordem de R$ 20 bilhões.[vi] Logo depois, o rombo contábil foi reestimado — e se conjectura estar na casa dos R$ 42,3 bilhões.[vii] O problema disso é que o caso da Americanas, como apontou precisamente o Dieese, envolve 2 mil fornecedores, 3,6 mil lojas físicas e 44 mil funcionários, juntamente com os empregados indiretos, que são 100 mil trabalhadores. Só de credores são mais de 16 mil,[viii] sendo alguns deles nada mais, nada menos que Deutsche Bank (R$ 5,2 bilhões), Bradesco (R$ 4,5 bilhões), Santander Brasil (R$ 3,6 bilhões), BTG Pactual (R$ 3,5 bilhões), Votorantim (R$ 3,2 bilhões), Itaú (R$ 2,7 bilhões), Safra (R$ 2,5 bilhões), Banco do Brasil (R$ 1,3 bilhão) e Caixa Econômica Federal (R$ 501 milhões). Enfim, os impactos gerados com um rombo dessa dimensão não ficarão restritos ao setor financeiro — algumas entidades já apontam para um endurecimento das condições gerais de crédito no Brasil.
Todas as três situações chamam a atenção para o modus operandi “phodas” (pardonnez, mon français) das elites econômicas em um país periférico como o Brasil. A assunção de correr risco ambiental ou econômico em busca de lucros ainda maiores, inclusive a admissão da possibilidade de mortes de pessoas, é escolha que tem sido reiteradamente feita pela classe dominante brasileira. A opção pelo risco vem da certeza da impunidade, dado que as elites econômicas estão entrelaçadas às elites governantes, como já apontavam Pareto,[ix] Mosca[x] e Michels.[xi]
No caso da Braskem, há denúncias de que as indenizações não são suficientes e de que as pessoas estão entregando as escrituras das casas para a empresa. Contudo, aquela é uma área nobre de Maceió, com tendência a se valorizar bastante depois que a questão geológica se estabilizar. Com isso, a Braskem lucrará mais uma vez, agora por ser dona da região da catástrofe.[xii] Por tudo isso, já há rumores de que a CPI da Braskem está em via de ser aberta no Senado.[xiii] Nos casos dos crimes ambientais de Mariana e Brumadinho — nove e quatro anos depois, respectivamente —, ainda se discute a reparação aos moradores do local, dado o fracasso do “remendo” conduzido pela Fundação Renova (representante das empresas).[xiv] Já no caso da Americanas, considerado a maior fraude da história corporativa do Brasil, ocorreu o pedido de recuperação judicial, em que se pede à Justiça a renegociação de débitos com os credores. Além disso, a empresa que é, em sua maioria, controlada por três dos homens mais ricos do Brasil, os quais afirmam não saber da fraude. E apesar de contarem, inclusive, com os próprios filhos no conselho de administração das empresas, querem um abatimento de 80% das dívidas para não falir.[xv]
É isso…
C’est la belle vie des super riches au pays du chaos, le phodas cest le normal (versinho meu).
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