O sentimento político-eleitoral da sucessão de 2022 foi o resultado de um sentimento social que se consolidou em dois turnos. O presidente Lula, embora tenha obtido uma vitória surpreendente, não conseguiu força político eleitoral suficiente para governar a pleno vapor desde o primeiro dia, ao enfrentar impasses agravados por uma sociedade politicamente dividida. Lula não entrou totalmente em campo.
Na política, não são fundamentos morais que asseguram um bom governo. É a maioria estável que permite ao presidente exercer bem o mandato e realizar o seu programa. E, na democracia, estes recursos de poder são derivados da coalizão política vitoriosa, que garante maioria de votos de apoio ao governo no parlamento. No sistema de dois turnos, a composição de uma maioria estável e suficiente é mais bem alcançada quando realizada ainda antes do segundo turno. Se a maioria necessária vem após a proclamação do eleito, a conquista de novos apoios para a base governista usa os expedientes da cooptação e da distribuição de cargos e favores. Como esse expediente não precisa levar em conta o que pensa o eleitorado, o governo está sujeito a uma maioria volátil e instável.
O governo tem, ao seu favor, o tom engenhoso de Lula, sempre propenso ao sentencioso e apostando no auditivo mais do que no visual. Enquanto ganha tempo ao falar em resolver emergências, procura encontrar uma marca para o governo, o qual tem pressa para entregar alguma coisa. Assim, enquanto anuncia programas sociais conhecidos de sucesso nos dois primeiros mandatos, coloca um “pé no freio” na má política ambiental, viaja ao exterior e mantém acesa a polêmica com o período Bolsonaro. Suas críticas ao Banco Central são lastreadas na ideia de que, em relação a juros e economia, o nosso povo se acostumou a suportar os males alheios e pôr a culpa em terceiros por nosso baixo desenvolvimento.
A conjuntura política continua estagnada desde os episódios lamentáveis do 8 de janeiro e da inércia do Congresso, que decidiu se isolar e ficar de costas para a Esplanada dos Ministérios. Um dos motivos é que Lula não conseguiu trazer para o governo os recursos de poder que adquiriu no segundo turno. Partidos divididos internamente não ficam satisfeitos com a mera distribuição de cargos a aliados e costumam mostrar descontentamento com o aceno simpático a adversários. Isso tem tornado difícil a tarefa de reagrupar os setores liberais que apoiaram o governo por não contemplar propostas econômicas compatíveis que sustentem a lealdade aos seus princípios. Por isso, mesmo ao avançar em uma Reforma Fiscal de apoio mais amplo, permanece a crítica de que há uma volta atrás nas privatizações e na Reforma Trabalhista, bem como um breque nas Parcerias Público-Privadas (PPPs). Enfim, os primeiros cem dias foram mais um momento descoordenado do governo e sua base parlamentar do que um sinal de harmonia.
Além do mais, a força negativa que se dá a tudo que se fez no País desde o governo Temer contém sinais de uma agenda doméstica incompreensível de desenvolvimento. Isto é, o que seria uma rotina de ajustes na administração do Estado, comum a cada governo, é apresentado como acerto de contas, o que coloca o Brasil de costas para as oportunidades mundiais de investimento. A crise do crédito, o comportamento heterogêneo dos segmentos econômicos, as finanças familiares frágeis, a infraestrutura em compasso de espera, o baixo investimento e as dúvidas sobre o aumento (ou não) da carga tributária são sinais de falta de confiança no sistema e no modelo político-econômico praticado no País.
Por outro lado, a expectativa de que o PT tivesse uma política de comunicação para a redes sociais para competir com a oposição não se concretizou, e predomina na internet o clima do “tudo ou nada”, com clara desvantagem para os governistas. Isso significa que o populismo digital de direita é mais eficiente do que o de esquerda.
Assim, fica a lição para os próximos passos: fazer bem é importante. Produzir reação boa ao que faz é ainda mais.
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