Em 2011, o Tribunal Constitucional português considerou que não feria a Constituição a redução proposta pela Lei 155/2010 de vencimentos dos servidores públicos entre 3,5% e 10%, objetivando exigir dos funcionários do Estado algum sacrifício em face do sacrifício maior da população, que viu o desemprego chegar aproximadamente a 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Houve, pois, participação de cidadãos governamentais e não governamentais no momento da crise.
No Brasil, a Suprema Corte decidiu de forma diversa, entendendo que não só subsídios e privilégios dos servidores públicos não podem ser reduzidos, como os poderes Legislativo e Judiciário podem exigir que o Executivo transfira recursos para pagar os membros dos dois poderes, mesmo que não tenha reservas, previsões orçamentárias ou receita para fazê-lo. A primeira decisão foi por sete votos a quatro e a segunda, por seis votos a cinco.
A maioria dos jornais do Brasil criticou a insensibilidade do Pretório Excelso, que não desconhece a crise econômica do País, com despesas públicas crescentes e receita tributária decrescente e uma queda do PIB previsto pelo FMI de 9,2% em 2020.
Assim, o Supremo Tribunal Federal (STF) dividiu o Brasil entre cidadãos de primeira classe, que são os políticos, magistrados e burocratas sustentados pelo povo, e de segunda classe, que são aqueles sem segurança, que perderam empregos, tiveram seus salários reduzidos ou ainda temem viver uma ou outra dessas possibilidades.
Quando o governo Bolsonaro conseguiu uma Reforma da Previdência possível, mas não ideal, os jornais publicaram cálculo da média das aposentadorias pagas para a sociedade em geral e para os detentores do poder. O quadro era assustador. Os cidadãos não pertencentes ao Poder Público, ou seja, a esmagadora maioria dos brasileiros, recebiam a média por volta de R$ 1, 5 mil contra R$ 8 mil do Poder Executivo, R$ 14 mil do Ministério Público, R$ 18 mil do Judiciário e R$ 28 mil do Legislativo.
Não há dúvida de que, no Brasil, a grande diferença social está entre os detentores do poder e os cidadãos não governamentais.
As decisões da Suprema Corte vão, à evidência, dificultar a recuperação econômica e as finanças públicas, principalmente, por ter o governo federal, para atender à classe menos favorecida, lançado o maior programa social da história do Brasil e, talvez do mundo, ou seja, os R$ 600,00 reais para dezenas de milhões de brasileiros. O primeiro mês representou, em distribuição, dois anos do Bolsa Família. E o programa continuará por pelo menos mais três meses.
A crise da saúde, longe de estar debelada – ainda aqui a Suprema Corte não foi feliz ao desconsiderar o inciso 18 do artigo 21 da Lei Suprema que concentrava na União a condução do combate e não deixando à competência dos Estados a formulação das políticas próprias, gerando distorções profundas – é acrescida da crise econômica, ainda sem um projeto global para enfrentá-la e, por iniciativa do ex-Ministro Sérgio Moro, de uma crise política, que confrontou poderes, desnecessariamente, na qual as excessivas manifestações do presidente, o protagonismo político do STF e o conivente e conveniente silêncio do Legislativo auxiliaram a complicar consideravelmente o cenário nacional durante esse período.
Pessoalmente, não tenho dúvida sobre a competência e a idoneidade dos 11 Ministros da Suprema Corte, nem da honestidade e da equipe-chave do presidente, principalmente na área econômica, da agropecuária e dos direitos humanos, assim como da integridade dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. Precisam, todavia, entenderem-se e trabalharem em conjunto, cada um na sua área de atuação, para que o Brasil possa sair da crise. O diálogo faz-se de mais a mais necessário.
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