Estamos na última semana de abril e, até sexta-feira (22), tínhamos quase 30 pesquisas de intenção de voto à Presidência da República divulgadas. Olhar todo esse material nos mostra características de um pleito cada dia mais polarizado em torno de duas figuras centrais, que tendem a radicalizar o processo. De um lado, o atual presidente da República, que, há quatro anos, prometia não tentar a reeleição, e, de outro, um ex-presidente que, a despeito de todas as polêmicas, é, em parte, reanimado pela ineficiência do atual mandatário. Lula e Bolsonaro, hoje, não terão qualquer companhia em um duelo que promete intensidade insana para os padrões de nossa democracia.
A polarização citada pode ser percebida quando olhamos para esse conjunto de 28 pesquisas, com campos finalizados entre 9 de janeiro e 20 de abril, e agregamos os seus resultados em médias móveis de três levantamentos estimulados de primeiro turno. Aqui, veremos que a concentração de votos na citada dupla só aumenta. Em 13 de janeiro, Lula e Bolsonaro somavam 67% dos desejos dos eleitores, em 20 de abril esse valor atingiu 74%. Exatamente isso: em três meses, fomos de dois terços para três quartos dos brasileiros se dividindo entre esses nomes, sendo o restante distribuído entre personagens com menos de 10% de média – Ciro Gomes é o melhor, com 7,5% –, e ainda existem aqueles que falam em votos brancos, nulos e indecisões. Em resumo: hoje, o pleito é polarizado. Tão esticado entre esses nomes que, na hora da decisão, se fosse hoje, certamente haveria voto útil de eleitores de PDT, PSDB etc. no PT ou no PL – que, em 2002, dividiam a mesma chapa vencedora, com Lula e Alencar.
Se, de fato, essa estratégia de “voto útil” ocorrer, o primeiro fenômeno que nos chama a atenção é: Lula pode vencer o pleito em primeiro turno? Na pesquisa Ipespe, que teve campo finalizado em 20 de abril, ele tinha 49,5% dos votos válidos. Na Sensus, de 11 de abril, 50,5%, mas na Poder Data, do dia 13, acumulava 43%. O segundo fenômeno aqui é: quem é o maior adversário de Bolsonaro? A resposta óbvia: Lula. A resposta aparentemente mais correta: ele mesmo. O próprio presidente. Bolsonaro tem rejeição na casa dos 60 pontos percentuais em três pesquisas recentes: FSB, Ipespe e Genial. E supera 50 pontos em Poder Data, Sensus e Data Folha. Ele perde para ele mesmo em seis institutos com estudos feitos de 20 de março até agora. A rejeição é menor no Ideia, mas a organização faz a pergunta de maneira diferente das demais e, aparentemente, de forma menos precisa.
Se Bolsonaro é seu principal adversário, lhe restam duas alternativas. Esquentar seu eleitorado para que este apimente o clima das eleições e do conflito, o levando para a zona de conforto onde sabe jogar, ou tentar atenuar seu modo de agir e capturar eleitores com base em políticas sociais e bons exemplos. A resposta verificada, na realidade, não é OU, mas um sonoro E. E, no segundo caso, a atitude é parcial. Ou seja: ele não atenua o discurso, mas abre a caixa de bondades e se utiliza fortemente da máquina estatal para todo tipo de agrado, concessão, perdão etc. A prática é velha conhecida dos brasileiros, e nem entramos na reta final das eleições, ou seja, não nos deparamos com o poderio virtual do sujeito que tem a maior penetração política em redes sociais do planeta – Jair Bolsonaro. Pois é: Lula já disse que com a máquina não se brinca, o que arrefece muito a primeira hipótese do parágrafo anterior, de que o petista poderia vencer a eleição em primeira rodada. Isso é improvável de ocorrer.
Assim, Bolsonaro atua na lógica bipolar. Afaga com políticas sociais escorado nas estratégias do centrão, que o captura em nítido sinal de cumplicidade entre as partes – afinal ele mesmo já disse que sempre foi desse time –, e bate no inimigo que escolheu para si. Em Lula? Não. Neste caso, convenientemente, na Justiça. A conveniência aqui é imensa: ao atacar o Judiciário, Bolsonaro oferta inúmeros sinais.
O primeiro: bate num “inimigo” que, em tese, joga dentro das quatro linhas em termos de discurso e postura – só em tese. Segundo: tenta reforçar a ideia de que é perseguido e injustiçado; de fato, por uma série de razões que transcendem muito os aspectos pessoais, ele é o presidente que, em tempos recentes, desde a Constituição de 1988, mais enfrenta ações envolvendo o Executivo Federal, no STF, bem como é o mandatário que mais é derrotado nesse ambiente. E, em vez de resolver essa fragilidade com estratégias de aproximação, ataca, ataca e ataca. O terceiro ponto: ao desafiar a Justiça, em especial o STF, bem como o TSE e sua urna eletrônica, oferta sinais de que não legitimará resultados contrários que lhe mostrem que ele pode ser derrotado em outubro. Para Bolsonaro, perder é ruim, para o PT, inaceitável – e o sentido dessa palavra pode levar a conflitos e efervescências absolutamente pouco democráticos. Quarto: se o inimigo é o Judiciário, nada mais urgente do que arrumar motivos para trazer o adversário para o ringue e atuar. O presidente quer esse conflito, precisa dele para manter viva a chama de seu eleitorado.
O caso de Daniel Silveira é um emblema disso. Outrora abandonado pelo próprio presidente, o deputado federal do PTB fluminense concorre para se tornar um “mártir” de alucinados desgovernados que não entendem o que significa o Estado e as instituições formais. O problema, nesse caso, é que a razão construída em torno deste fenômeno tem solidez em termos de narrativa, quando convivemos com um Legislativo ausente, um Judiciário superpotente e um Executivo conflituoso.
E aqui está a chave desta reflexão: o caso Silveira é apenas um em diversos exemplos passados e futuros que, a despeito de Bolsonaro, trazem confusão institucional para o País. A arena da convicção é o Poder Legislativo. Mas a teoria weberiana parece ter sido forjada para encorajar alemães a extrapolar as regras. Dizer, no Brasil, que parlamentar pode ser convicto é o mesmo que dizer para um urubu que ele pode voar mais tempo e mais alto. Precisa? Para além disso, os excessos cotidianamente vividos em praticamente todas as Casas Parlamentares deste País não são contidos, porque entre tais elementos vigora o corporativismo.
Assim, a “classe política”, que nem sequer como classe deveria se observar, não cansa de se proteger. E quem é punido? Apenas os pares que não circulam bem nas principais arenas internas dos próprios legislativos. Um exemplo: Mamãe Falei perdeu em São Paulo, mas Daniel Silveira pode ser salvo em Brasília – sem comparar teores, mas sim comportamentos, a despeito de conteúdos.
Pois bem: o Legislativo não age na tarefa de se autorregular, salvo exceções que só reforçam o espírito de corpo alijado da ideia de lei e decoro. O decoro parlamentar é algo que definitivamente carrega relativismo e conveniência. Pois bem: caberia então ao povo uma pressão tremenda sobre os parlamentos, mas isso é absurdamente utópico, pois fosse o povo consciente disso e os eleitos seriam outros. Aí, temos o Judiciário, composto por brasileiros convictos. Tão convictos que por vezes se assemelham a parlamentares. Basta verificar que no caso de Silveira, e não duvide que alguém traia o combinado, os ministros da Suprema Corte combinaram entre eles um pacto de silêncio, para não se manifestarem fora dos autos.
Mas esse princípio não é constitucional? Pois é, o Judiciário precisa combinar internamente o próprio cumprimento da lei que diz defender. Tragédia. E isso faz com que o STF condene uma aberração parlamentar. Mas por que só uma? Por que essa? Ou por que condenar um deputado federal do Paraná, via TSE, por abuso de disseminação de fake news em 2018 e não tantos outros? Quando a aplicação da lei é uma exceção, para lembrar que existem regras, o estranho passa a ser a própria punição, e o Judiciário se torna injusto – ou ao menos questionável.
Bolsonaro se apoia nisso para atacar a Justiça, se dizer perseguido e inflamar sua plateia de estimação. É nisso que se escorará para explicar uma possível – não consolidada – derrota nas urnas. É nesse tipo de atitude “contra ele” que construirá a narrativa de vítima. Parte de seu eleitorado, inclusive, já afirma que ele não governa porque Legislativo e Judiciário “não deixam”, sendo isso o que parte do senso comum espera de um presidente em lógica democrática de divisão de poderes: um absolutista.
É este o ponto central. A lei dá ao presidente, de forma questionável, até instrumentos para anistiar condenados. Assim, quem é o presidente do Brasil? Um superpoderoso ou alguém que deve se curvar à Justiça? Depende. E esta palavra, utilizada aqui, arruína o espírito democrático. Daniel Silveira, assim, é apenas um pedregulho numa estrada de cascalhos. Sigamos adiante. O jogo ainda vai longe.
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