Vencer, mas parecer que perdeu. Perder, mas parecer que não lutou. Não está fácil entender o conceito de governabilidade do terceiro governo Lula. Trovão em céu claro é que não é.
Ao organizar, por benevolência, um governo com 37 ministros em órgãos e pastas concorrentes, o presidente não se deu conta de ter copiado o Congresso que, por sobrevivência, permaneceu reorganizado com o mesmo espírito fracionado de representação originado no governo passado. O esboço das duas condutas — no Executivo e no Legislativo — reflete a mesma tensão própria do estilo de ação de líderes centralizadores. Pares da mesma hierarquia, de diferentes origens, exercem o poder se diferenciando naquilo que se parecem.
Sob o comando de um presidente forte e líderes dispersos, existem 10 mil Projetos de Leis (PLs) em discussão, impulsionados por 168 frentes parlamentares. Isso dá ao coletivo mais recurso de poder do que ao deputado “avulso”. Já o Executivo governa por Medida Provisória (MP) e não consegue aprovar todas, nem do jeito que pretende. Presidencialismo coadjuvante do Legislativoé o fato novo que se soma ao crescente princípio de desconfiança das instituições umas nas outras — e da população em todas.
Outra novidade é que a linguagem que provoca controvérsia não está colocando em ação nenhum acontecimento favorável ao governo, ao passo que o Congresso se mantém cada vez mais claro na sua ação: beneficiar-se das divisões no Executivo e aumentar o custo do pedágio parlamentar para o governo transitar sobre a gestão do orçamento da União. O sentido tutelar do teto de gastos não desapareceu sob o nome de arcabouço fiscal. Está em vigor o mecanismo político que obriga o Executivo a negociar economia com o Legislativo.
Parece que o presidente não está atento ao fato de que mudou totalmente o fundamento da harmonia dos três poderes. A autonomia orçamentária do Legislativo e do Judiciário — o exercício individualista das funções de políticos e magistrados — tornou secundários os problemas do governo e a dificuldades econômicas do País. Poderes da União são, hoje, dominós ativos que vão subindo e caindo movidos por interesses circunstanciais e próprios. A austeridade nos gastos para produzir investimento não é compromisso ou vocação dos poderes da União; o sentido de tudo é consumo, honorário, honraria. Diante da soberania operacional do Supremo e do Congresso, um conceito equivocado de autonomia de poder sem capacidade de arrecadação, ao governo só resta transitar de uma lealdade a outra. Ora enfrenta, ora recua das correntes de força que provoca, e, de crise em crise, percebe-se que as derrotas ou vitórias têm claramente o mesmo significado — isto é, sobreviver e ganhar tempo.
Lula e Alckmin foram parlamentares e sabem que, no Congresso, tudo pode ser dito, mas menos da metade é ouvido. Sabem também, por experiência no Executivo, como o Judiciário ultrapassa limites sob a tola ilusão de ajudar o Brasil. Não há mais a compreensão de que uma lei deve ser entendida como um acordo feito reciprocamente pelos três poderes e só pode ser abolida pelo entendimento de todas as partes. As leis são cada vez mais temporárias, originadas de MPs. Votadas por encomenda e julgadas constitucionais a um preço muito alto, segundo cada poder avalia a si próprio, não oferecem pretexto para crescimento da economia.
Basear a governabilidade somente em rede de contatos pessoais; favores setoriais; diplomacia de repercussão; distribuição de cargos; créditos subsidiados e benesses sociais pode levar o governo a ter que testar os próprios limites a cada dia. E, sem melhorar a comunicação profissional, será incapaz de transmitir os objetivos e ações de longo prazo, continuando a mais responder do que afirmar.
Estamos vivendo o colapso do contexto da institucionalidade razoável. Sem formar maioria sólida no parlamento, tricotando conjecturas dúbias com o Supremo, é impossível dar a agenda do governo um rumo previsível. Minha observação sobre a situação atual é que se Rosa Weber, Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Lula quiserem, a qualquer tempo, acertar as contas, o farão amparados no provérbio “Qualquer problema que você tiver comigo é seu”.
Não há uma equação clara do que virá, pois o choque de realidade ainda não ocorreu. A maioria do País quer que o governo dê certo. O empresário e o povo precisam. No entanto, se não surgir um circuito de lucro e produtividade no horizonte que aponte para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB), o pior para o governo será sentir a água se acumular atrás do dique dos insatisfeitos, por não contar com base política para fazê-la correr para o moinho do governo. A doutrina diz que é possível ser salvo por popularidade, mas que é mais seguro com boas alianças.
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