Artigo

Contra a miopia literária

Vitor Tavares
é Presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL)
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Vitor Tavares
é Presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL)

A Constituição de 1946 consagrou, no Brasil, o regime de isenção de impostos para o papel utilizado na impressão de livros, jornais e revistas. A importância social do livro foi legitimada posteriormente, tanto na Constituição de 1988 quanto na Lei do Livro, de 2004, que o isentaram de impostos e tributos.

Diante do reconhecimento histórico desse patrimônio mundial, o setor livreiro viu, com espanto, a nova proposta de Reforma Tributária do governo federal, entregue no dia 21 de julho ao Congresso – que prevê a criação de uma contribuição de 12% sobre bens e serviços em substituição ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) –, a Contribuição sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). A medida atingiria, automaticamente, os livros.  

O Projeto de Lei 3.887/2020, se aprovado integralmente, terá grande impacto em toda a cadeia: autores, editores, gráficas, distribuidoras, livrarias e consumidor final. Em um Brasil ainda carente de leitura, no qual o consumo de livros foi de 1,67 por habitante em 2018, a suspensão da imunidade tributária levaria a um aumento de 20% no preço final do produto.

O reflexo da famigerada taxação recairia, principalmente, sobre os consumidores das classes C, D e E, que representam 27 milhões de leitores, segundo dados mais recentes da pesquisa Retrato da Leitura. Assim, o possível aumento de custo deste bem social dificultaria os acessos à educação e à cultura da parcela mais pobre da população brasileira.

O Brasil ocupa o 79ª lugar do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em que os países mais bem posicionados são justamente os que registram maior volume de aquisição de livros por pessoa. O relatório de 2018 da International Publishers Association (IPA) aponta que, na América Latina, apenas Chile e Guatemala tributam o livro. Em vez de nos espelharmos nessas nações, deveríamos seguir o exemplo do nosso vizinho Uruguai, que o incluiu na cesta básica nacional.

Há quem ainda acredite, hoje, que o livro seja um produto da elite nacional. Trata-se, no entanto, de uma verdadeira miopia literária. Isentos das contribuições sociais, os livros tiveram uma queda de 35% no preço médio entre 2006 e 2011, de acordo com dados da pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial. No mesmo período, houve um crescimento de 90 milhões de exemplares vendidos.

Para mantê-lo acessível, por sua inegável importância na educação e na cultura do País, oito entidades do setor livreiro, lideradas pela Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (Abrelivros), a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), divulgaram, no dia 5 de agosto, o manifesto Em Defesa do Livro. Estamos plenamente conscientes da necessidade da Reforma Tributária, mas pedimos tratamento diferenciado para o livro. A sua tributação seria um retrocesso histórico para o Brasil, cujo mercado livreiro tem menos de 200 anos. É preciso ressaltar o impacto que isso traria para a educação, haja vista que o governo é um dos maiores compradores de livros do País, por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

Sem contar que fomos um dos últimos países a permitir a impressão e a circulação de livros. A bandeira contra a taxação também foi levantada pela sociedade civil, que se uniu à causa por meio do abaixo-assinado Defenda o Livro. Em menos de um mês, a campanha virtual conseguiu a adesão de 1 milhão de pessoas.

Após anos e anos de luta, o livro tornou-se, finalmente, um produto democrático, consumido por cidadãos de todas as idades, etnias, gêneros e classes sociais. Longe de ser uma commodity como qualquer outra, ele é um difusor da cultura, do conhecimento, do saber. A democracia, a liberdade e a inclusão social passam necessariamente pelo amplo acesso à leitura. Não podemos regredir.

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