Artigo

Desafios do novo arcabouço fiscal

Antonio Lanzana
é copresidente do Conselho de Economia Empresarial e Política (CEEP) da FecomercioSP e professor na Universidade de São Paulo (USP) e na Fundação Dom Cabral (FDC).
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Antonio Lanzana
é copresidente do Conselho de Economia Empresarial e Política (CEEP) da FecomercioSP e professor na Universidade de São Paulo (USP) e na Fundação Dom Cabral (FDC).

Após ser aprovado pelo Senado (com alterações no texto inicialmente apresentado), o novo arcabouço fiscal foi, enfim, aprovado na Câmara dos Deputados. Pode-se dizer que o texto aprovado ficou melhor em comparação ao apresentado pelo Senado, em especial por excluir a alteração do período de cálculo da inflação.

O conjunto de medidas vai substituir o teto de gastos, desrespeitado muitas vezes nos últimos anos — e até por isso perdeu credibilidade. Vale destacar que, embora com muitas limitações, o novo arcabouço foi recebido de forma favorável em razão da expectativa pessimista que se tinha no início do ano quanto à dinâmica das contas públicas, uma vez que austeridade não é uma característica do atual governo. O novo arcabouço é muito mais flexível do que o teto de gastos.

Um primeiro ponto a destacar é que o novo conjunto de regras “garante” um crescimento real dos gastos públicos num intervalo de 0,6% (piso) até 2,5% (teto), sendo que a expansão dentro desse intervalo corresponderá a 70% do aumento da arrecadação. Por outo lado, estabelece metas para o resultado primário das contas públicas, como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), definindo em -0,5% em 2023; 0% em 2024; 0,5% em 2025; e 1,0% em 2026. Sendo assim, a avaliação dessa política pode ser separada em duas partes: as medidas em si e as metas fiscais.  Na primeira, fica claro que a proposta contida no novo arcabouço procura expandir as despesas do governo e fazer ajustes pelo lado da receita tributária.

Os resultados fiscais, porém, é que vão mostrar se o marco é exequível. Como atingir as metas de superávit primário e como estabilizar a relação entre dívida e PIB? Referente a esse último ponto, o arcabouço é muito tímido, dado que parte de um cenário fiscal está comprometido pela PEC da transição, o que poderá levar muito tempo para impactar de forma importante a trajetória da relação dívida/PIB.

Em contrapartida, sobre as metas para o resultado primário, fica claro que não serão atingidas sem substancial elevação da carga tributária — lembrando que o Congresso tem se posicionado contra aumento de impostos. As projeções indicam déficit em 2023 maior que o previsto no arcabouço, além de permanência do déficit em 2024.       

Um possível desdobramento desse cenário — ainda que remoto, mas saudável para a economia — seria promover ajustes nas despesas públicas, começando pela Reforma Administrativa, frequentemente comentada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Infelizmente, os pronunciamentos do governo mostram que, mesmo com a resistência do Congresso, vai insistir no aumento dos impostos. Aqui também vale lembrar que o Brasil já registra a maior carga tributária entre os países emergentes.

Caso esse aumento não aconteça, o governo pode tentar alterações na forma de cálculo do superávit primário, excluindo, por exemplo, parte das despesas com o PAC do cálculo — como o próprio tem sinalizado —, o que fragilizaria o arcabouço como instrumento de ajuste fiscal. Pode, ainda, diante da incapacidade de atingir as metas, alterá-las no decorrer dos próximos anos. Essa decisão também afetaria negativamente as expectativas em termos de credibilidade do arcabouço, impactando taxa de câmbio e inflação e, consequentemente, interrompendo qualquer processo de queda das taxas de juros.

Em resumo, é bem possível que a economia brasileira, mais uma vez, viva um período de ampliação de gastos públicos e aumento da carga tributária. O crescimento da participação do setor público implica, automaticamente, a redução da participação do setor privado. Como o primeiro é menos eficiente que o segundo, o resultado é uma reduzida expansão da produtividade da economia nacional, limitando a capacidade de desenvolvimento, como tem ocorrido ao longo das últimas décadas. 

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