Artigo

Desajustes de uma eleição apaixonada

Paulo Delgado
é sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP
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Paulo Delgado
é sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP

Com um índice de renovação na Câmara de menos de 40% (39,38%), 20 senadores de primeiro mandato, derrota (ou desistência) de políticos tradicionais e experientes, partidos políticos a menos e clara tendência conservadora, a eleição para o Congresso Nacional é o espelho de um momento no qual o eleitor foi às urnas modificado pelas redes sociais e seu sistema próprio de comunicação. A opinião, que já foi rainha do mundo, graças à internet, tornou-se escrava da versão.

Pecados, farsas, pedras, telhados de vidro, enfim, ninguém jogou limpo, todos vigiados por pesquisas de opinião semanais que encurralaram a vontade do País em uma avenida de duas mãos, desde o início. Sem serenidade e muita desarmonia, foi uma campanha de públicos, interesses setoriais, em que prometer renda foi mais importante do que garantir escolaridade. Campanha de conceitos confusos, em que a pauta identitária percorreu todas as bancadas, incluiu porte de armas e ser evangélico – e tanto servia para arregimentar como para fragmentar votos.  Ser “direita nos costumes” permitiu liberar a consciência para ser estatista na economia. Isto é, os anti-identitários, na economia, se parecem com os identitários.

Sem qualquer interesse geopolítico, a eleição transcorreu como se fôssemos uma ilha. As cisões políticas e a crise mundial (e sua influência na situação econômica nacional) não foram determinantes para produzir a escolha de votar em deputado ou senado. Perderam-se as ideias liberais, a reforma do Estado, a modernização da gestão pública. Aumentou-se a número dos brasileiros que não sabem “nadar” sem ajuda do governo. Agravou-se a realidade de ser um país de desigualdades que precisa de assistência social e, por isso, sempre é capturado por políticas sociais improvisadas e eleitoreiras.

Uma composição parlamentar volátil de centro-direita – partidos mudam de lado, de governo a governo – permite ao próximo presidente, seja Bolsonaro, seja Lula, navegar entre as contradições e formar a maioria necessária à aprovação dos seus projetos. Reeleito, Bolsonaro poderá se sentir mais confortável, porém, ao preço de ficar mais dependente ainda do Congresso. Eleito, Lula terá de negociar a maioria até dezembro, para tomar posse vislumbrando estabilidade e previsibilidade para projetos. São Paulo virou a chave para definir o vencedor da eleição. Pelo desequilíbrio apurado entre interior e capital, em favor de Bolsonaro, a decisão paulista pode fazer a diferença no segundo turno e redefinir o resultado nacional.

O presidente eleito encontrará o Brasil em um cenário político-econômico engessado, de realidade institucional pré-moldada. Um modelo que não gera mais confiança e energia. Tudo continuará a passo de tartaruga mesmo após ter acabado a eleição. Não é necessário inventar muito argumento sob o custo futuro de um novo governo Lula ou a reeleição de Bolsonaro. O Brasil é um país de albergados, e a demanda por assistencialismo é uma rotina que influencia as eleições sob qualquer viés ideológico. O eleitor não se envergonha de precisar de ajuda, revela gratidão em troca de voto, exigindo dos candidatos mais benefícios monetários diretos do que emprego, educação, saúde ou respeito às leis.

Esta é uma eleição clássica em que os menos interessados pela política decidem o resultado. O eleitor minoritário é silencioso, subnotificado, indiferente à opinião pública. Pesquisas sofrem para entender este indivíduo, aparentemente omisso e não apressado. E com dois sistemas de voto – o obrigatório e o facultativo –, a eleição teve a própria retórica: a certeza da incerteza.

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