Nos últimos anos, essa tem sido uma das expressões mais debatidas nos meios acadêmicos europeu e norte-americano. No caso do Reino Unido, o tema vem em conjunto com uma discussão mais ampla em torno de inclusão e diversidade. Especialmente no que tange ao racismo sistêmico de muitas instituições de ensino superior – e também em virtude de um passado não muito virtuoso de algumas das mais tradicionais universidades britânicas, com vínculos históricos com a escravidão.
No King’s College London, esta questão não está passando sem um profundo debate. Em 12 de junho de 2020, a Vice-Principal International do College, professora Funmi Olonisakin, publicou um artigo no Times Higher Education, no qual expressa claramente o engajamento do College nessa situação, traçando algumas linhas mestras que direcionam uma mudança de postura sistêmica, mais do que simplesmente permanecer na superficialidade.
É importante ressaltar que professora Funmi Olonisakin é a primeira mulher negra a chegar a uma posição sênior no College.
Neste contexto, o King’s Brazil Institute, do qual sou diretor, tem um papel relevante em contribuir para esta mudança estrutural de inclusão e descolonização de currículo. Neste ponto, é importante ressaltar que entendemos “descolonização do currículo” não como a simples inclusão de textos de autores brasileiros em leituras obrigatórias das aulas oferecidas pelo College. Isso tem sido algo muito comum, como resposta de algumas instituições à chamada “descolonização”, mas é superficial e não sistêmico.
O Brasil, com sua diversidade étnica, produz uma série de saberes e epistemologias que representam leituras e compreensões tanto do mundo como das sociedades. Muitos destes saberes ou foram tratados como objeto de estudo das ciências academicamente chanceladas, ou simplesmente relegados à categoria de senso comum. Descolonizar é entender esses saberes como sujeitos, não como objeto do conhecimento.
Descolonizar um currículo significa desierarquizar o saber. Esta é a tarefa mais árdua, porque na academia também somos hierárquicos e medimos nossos saberes por intermédio de títulos. Assim, o exercício de descolonizar o currículo passa também por um exercício profundo de transformação dos nossos modelos de academia e de autoridade.
Talvez essa tarefa seja mais difícil na Europa do que no Brasil, afinal, temos bons exemplos dessa descolonização ocorrendo em muitas instituições brasileiras. Como exemplos que realmente estão provocando um repensar do que significa uma universidade, cito o caso do Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Criado em 2014, o programa tem demonstrado, na prática, o que significa descolonizar um currículo incluindo saberes e epistemologias que não aquelas chanceladas pelas universidades europeias e considerados como Ciência, com letra maiúscula. O programa da UFMG é exemplar neste caso.
Essa descolonização talvez já estivesse há muito tempo plantada e sendo reclamada no Brasil. Em 1933, Mario Reis gravava um samba de Custódio Mesquita que dizia: “Sou doutor em samba, quero ter o meu anel, tenho esse direito como qualquer bacharel”. Sim, Mario Reis e Custódio Mesquita, vocês têm este direito.
O King’s Brazil Institute, que inaugura, nesta edição, participação mensal no site da revista Problemas Brasileiros, busca desde a sua fundação, há dez anos, promover diálogo com as realidades epistêmicas múltiplas e ricas que provêm do Brasil, sem se posicionar apenas como observador externo, mas como participante de debate amplo e plural.
Este espaço privilegiado da PB é, para nós, um lugar de troca e intercâmbio de saberes, do qual o King’s Brazil Institute se sente muito honrado de fazer parte, pois espera contribuir com o melhor de suas forças e de suas ideias.
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.