Artigo

Diplomacia peso-mosca

Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.
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Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.

Após o Brasil convocar o seu embaixador em Tel Aviv por causa dos conflitos na Faixa de Gaza, em 2014, Israel criticou o País, afirmando que o Brasil era um gigante econômico e cultural, mas não passava de um “anão diplomático”. À época, a alcunha foi recebida como exagerada e ofensiva, em um período no qual o País tinha uma estatura internacional respeitável e continuava trabalhando, com afinco, na projeção internacional em busca de mais prestígio. Menos de uma década depois, após crises que geraram retrações econômica e cultural –mas especialmente pelo encolhimento da política externa brasileira sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro –, a crítica israelense soa profética e, até, benevolente: o governo e o País minguam no cenário global.

A retração foi evidente nos longos primeiros anos em que o ex-chanceler, Ernesto Araújo, abandonou a tradição da diplomacia nacional e inverteu as prioridades nacionais. Infelizmente, mesmo com a tentativa de ter um Itamaraty mais burocrático e tradicional sob Carlos Alberto França, esse retraimento não se interrompeu. A atuação do presidente, por si só, demonstra a cada semana uma redução maior do prestígio brasileiro.

A mais recente evidência da insignificância crescente da ação internacional do governo brasileiro foi a sinalização de que os Estados Unidos devem esvaziar os poderes de Bolsonaro, na negociação de medidas de proteção ambiental. Sob a gestão do democrata Joe Biden, o governo norte-americano mostra não confiar na retórica vazia de Jair, devendo aceitar a proposta de estabelecer uma relação direta com os Estados brasileiros para promover medidas de combate ao desmatamento e de preservação da Amazônia. Este esforço coletivo pode chegar a uma oferta de US$ 20 bilhões para ajudar o País a proteger a floresta, mas não passará pelo governo – que tem postura negacionista e não parece interessado em trabalhar contra as mudanças climáticas.

Enquanto isso, o presidente brasileiro continua mostrando sua total falta de tato diplomático: ignorou o convite para participar da reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, em evento que deveria reforçar a ligação do País com outras nações lusófonas do mundo. Nas últimas décadas, este grupo teve importância nessa relação cultural do Brasil com uma parte importante do globo, incluindo a parceria histórica com Portugal e países africanos. Entretanto, o Brasil de Bolsonaro prefere ignorar esta relação.

Mais absurdo e extremo do que isso: gastou tempo da sua agenda para receber, com alegria efusiva, uma obscura deputada de extrema-direita alemã. O presidente e vários dos seus partidários deram atenção e tempo a Beatrix von Storch, deputada federal e vice-porta-voz do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), investigado por ameaçar a ordem democrática daquele país. O caso foi uma demonstração de que Bolsonaro reduziu o Brasil a “peso-mosca”, avaliou o jornalista alemão Philipp Lichterbeck, da agência de notícias Deutsche Welle. “É mais ou menos como se Merkel marcasse uma reunião com o deputado (e palhaço) brasileiro Tiririca, para discutir, com ele, o futuro da Europa e da América Latina”, ironizou.

Com Bolsonaro, o Brasil encolheu, isolou-se e perdeu importantes ligações que poderiam ajudar não apenas a dar status ao País, mas também trazer investimentos e apoio político que auxiliariam a economia nacional e a vida de todos os brasileiros.

Toda essa diplomacia nanica do Brasil pode ter um lado positivo, entretanto, e proteger a democracia nacional. Enquanto o presidente faz declarações de cunho golpista e ameaça a realização das eleições de 2022, fica evidente que ele não teria como consolidar um movimento autoritário forte sem ter apoios internacionais. Seria difícil imaginar um governo golpista no País sem ter reconhecimento das maiores potências globais e dos seus principais parceiros econômicos e políticos.

E por mais que haja muita manobra pragmática no processo de decisão desses países, é pequena a probabilidade de os Estados Unidos, a União Europeia ou a China aceitaremm um golpe de Bolsonaro, que tanto atacou líderes das três potencias, e manterem relações econômicas e diplomáticas normalmente. Mais factível seria ver o Brasil como uma Venezuela, cujo governo não é reconhecido internacionalmente, sofre sanções e amarga a irrelevância no cenário global. Sem este apoio e reconhecimento de fora, há esperança de que ameaças golpistas não possam se consolidar, e que a democracia tenha alguma segurança.

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