O fim da ditadura militar, em 1985, trouxe inúmeros desafios para o País: não apenas tivemos de reconstruir e fortalecer os processos democráticos no campo interno, como também reabilitar a imagem nacional no exterior.
Durante o regime, especialmente na década de 1970, o Brasil sofreu diversas críticas de atores internacionais, sobretudo relacionadas às violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro. Em 1972, a organização Anistia Internacional lançou um relatório denunciando a tortura no País. Ao longo da década, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) começou a receber denúncias de violações de direitos humanos por parte do Estado, e campanhas capitaneadas por comitês de solidariedade espalhados pela Europa e pelos Estados Unidos chamaram a atenção da comunidade internacional sobre o caso brasileiro. A eleição do presidente norte-americano Jimmy Carter, em 1976, cuja política externa ficou conhecida como a “Política de Direitos Humanos”, levou o País a entrar em rota de colisão com os Estados Unidos, ocasionando um esfriamento nas relações entre ambos.
O desafio da redemocratização, portanto, não era apenas interno; havia a necessidade de apresentar o Brasil como uma jovem e recém-consolidada democracia, alinhada aos valores da ordem internacional pós-Guerra Fria que se avizinhava. Durante os anos 1990, mudamos o curso da nossa política externa, procurando mostrar à comunidade internacional o nosso alinhamento com a agenda de um mundo multipolar e globalizado. Os exemplos são inúmeros: em junho de 1992, sediamos, no Rio de Janeiro, a Conferência da Organizações das Nações Unidas (ONU) sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Rio-92) e passamos a pautar a ideia do desenvolvimento sustentável, que reivindica que a questão ambiental não seja dissociada de temas como erradicação da pobreza, ao mesmo tempo que passamos a ter uma atuação mais ativa no campo dos direitos humanos. A adesão à Convenção Interamericana de Direitos Humanos, em 1992, e a consolidação do Programa Nacional de Direitos Humanos, em 1996 – além da criação da Secretaria de Direitos Humanos em 1997, já no governo FHC (1995-2002) –, são alguns dos exemplos. Ademais, a fundação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), em 1991, um marco na integração regional, foi outro ponto importante para a consolidação da imagem internacional do Brasil.
Ao longo das primeiras duas décadas dos anos 2000, o Brasil procurou se consolidar enquanto personagem relevante do cenário internacional, tomando posicionamentos cada vez mais assertivos. Durante o período, o que vimos foi uma aproximação com os países do Sul global e foco na cooperação Sul-Sul. O contexto era propício, claro, visto que foi a época da ascensão dos países ditos emergentes. Integramos, portanto, uma série de coalizões: ajudamos a fundar os Brics [agrupamento econômico composto por Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul], em 2008, e formamos o Fórum de Diálogo entre Índia, Brasil e África do Sul (Ibas), em 2003, além da criação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), também em 2008. Participamos de missões de paz da ONU, como o caso da MINUSTAH, no Haiti, e avançamos no esclarecimento das violações de direitos humanos perpetradas durante a ditadura militar, com a instauração da Comissão Nacional da Verdade, em 2012. Vinte anos após a Rio-92, sediamos a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Também não é insignificante termos sido eleitos para sediarmos as duas maiores competições esportivas do planeta – a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. Ainda que possamos discutir a real influência do Brasil no sistema internacional, o fato é que, entre as décadas de 1990 e 2000, conseguimos reabilitar a imagem internacional do País enquanto uma democracia jovem, porém consolidada, que poderia ter algo a dizer e pleitear um assento à mesa nas discussões.
Nos últimos anos, porém, a imagem do Brasil tem se deteriorado. A eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, fora vista com cautela por diversos organismos internacionais – infelizmente, as previsões parecem ter se mostrado acertadas. Em 2019, no seu primeiro ano de mandato, a atuação do governo frente ao problema das queimadas na Amazônia gerou críticas na imprensa internacional: o País que ajudou a elaborar o conceito de desenvolvimento sustentável, e sediou eventos importantes sobre o tema, retrocedeu na política ambiental, em um momento no qual a questão do aquecimento global se coloca como um tema prioritário na agenda mundial. A política ambiental de Bolsonaro é criticada por líderes como o presidente da França, Emmanuel Macron, e pode ser um empecilho para o acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Além do certame ambiental, outro ponto que nos prejudica é a gestão nacional frente à pandemia do novo coronavírus. Se, há alguns anos, o País era visto como referência na cooperação para a saúde, hoje, é percebido refém de um governo negacionista que deliberadamente sabotou as políticas de enfrentamento ao vírus.
Ademais, o presidente, seus filhos e alguns de sua equipe, como é o caso do ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, não se furtam em fazer declarações e entrar em conflito com parceiros e aliados no sistema internacional: o presidente curtiu um comentário sexista sobre a esposa do presidente francês; e os tweets de seus filhos e de Ernesto Araújo sobre a China repercutiram muito mal entre o nosso maior parceiro comercial. Atualmente, fomos incluídos pela organização Repórteres sem Fronteiras na lista dos “predadores da liberdade de imprensa”, e Bolsonaro frequentemente é citado entre os líderes vistos como uma ameaça global à democracia. Provavelmente, nunca o Brasil esteve com uma imagem tão ruim. Quantos anos levaremos, por meio de esforço conjunto, para reabilitar, novamente, nossa imagem internacional?
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