Artigo

Em busca da governabilidade pré-2013

Humberto Dantas
é cientista político, doutor em Ciência Política. Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Humberto Dantas
é cientista político, doutor em Ciência Política. Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Em 19 de julho, publiquei um texto aqui perguntando se a governabilidade era um fenômeno mensurável. Estou enfrentando esse dilema em duas frentes: uma mais acadêmica, que resultará na organização do segundo livro sobre o tema em cinco anos, mais uma vez sob a edição da Fundação Konrad Adenauer do Brasil e com a participação dos cientistas políticos ligados ao projeto Legis-Ativo — desta vez, em parceria de coordenação com as professoras Graziella Testa, com quem atuo aqui, e Michelle Fernandez da Universidade de Brasília (UnB). Já a outra frente é de natureza mais mercadológica, gerando o I-GOV, ou Índice de Governabilidade mensal, com José Mario Wanderley Gomes Neto, com quem também estou aqui na PB, e com a doutora Joyce Luz, recém-titulada em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), sob a marca da 4intelligence, empresa de inteligência de dados.

Pois bem, se no texto de julho dei o “caminho das pedras” sobre o fenômeno da governabilidade, os últimos dias serviram para que o resultado de julho fosse publicado. E os desafios de Lula continuam sob o véu de uma complexidade política extremamente polarizada e adensada. Veja só: se em junho foi possível aferir, seguindo a metodologia que ajudei a construir, o primeiro dado do terceiro mandato de Lula, que ficou em 48%, mais de 15 pontos abaixo do resultado que marcou o piso de seus oito anos no poder entre janeiro de 2003 e dezembro de 2010, a coisa piorou. Exatamente isso: Lula no começo de 2007, envolvido nas questões atreladas ao mensalão, chegou ao seu pior resultado em oito anos. Os 64% daquele instante era fruto de 66% em relação à opinião pública, 66% ao Judiciário e 60% ao Legislativo. Agora, em julho de 2023, ele atingiu 46%. Vamos tentar entender a marca à luz da conjuntura mais atual.

Olhemos para 2007: um presidente não tem 60% de Legislativo desde maio de 2013, com Dilma I. Percebe? Efetivamente, desde as tais jornadas de junho, tudo mudou nas relações políticas no Brasil. Um presidente não tem 66% em relação à opinião pública desde rigorosamente a mesma data. Resultado: tudo mudou mesmo, e só o Judiciário está um pouco mais estável. Assim, para completar, em julho de 2023 recuou dois pontos e atingiu 46%, semelhante aos 47% que Bolsonaro tinha no mesmo período de 2019. O que ocorre de tão preocupante?

Para o governo atual, ainda pouca coisa. A dimensão do Judiciário no indicador atingiu 62%, bem pior que os 73% de junho. Isso significa que o Supremo Tribunal Federal (STF) andou problematizando a pauta de interesse do Executivo a partir de decisões desfavoráveis nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que envolvem o Planalto. Mas aqui o que salva Lula é que por mais que possa haver algum prejuízo, a agenda que está sendo julgada ainda é aquela construída no governo anterior. Menos caótico para o Planalto atual, pois o presidente não teve uma ADI atrelada a decisões suas julgadas em 2023.

E se o indicador caiu dois pontos — e piorou tanto na dimensão Judiciária —, isso indica que em algum local precisa ter havido melhora. Não foi com a opinião pública, por mais que exista indícios de que isso poderá ocorrer. Lula “andou de lado” em julho e conseguiu, em terreno renhido, o que Bolsonaro não teve nos sete primeiros meses de poder. Enquanto o antecessor perdeu dez pontos entre janeiro e julho de 2019, Lula apenas “andou de lado” — o que, na cena política atual, pode ser um avanço. Assim, se algo melhorou, discretamente, foi a relação com o Congresso, saindo de 18%, em junho, e atingindo 21%. Difícil demais, mas importante salientar que a média de Bolsonaro entre 2019 e 2021 foi de 22% e só ficou acima dos 40 pontos entre julho de 2022 e dezembro, quando o Centrão tomou o poder e controlou de forma absoluta o orçamento. E agora? Lula tem alguma chance de atravessar o mandato sem amargar números tão ruins, principalmente nas relações com o parlamento? A reforma ministerial tende a servir para isso, assim como o intuito de uma relação menos conflituosa com a opinião pública busca dar semblante de crescimento para a avaliação do presidente com o povo. A conferir o que teremos nos próximos meses: a reafirmação de que a década de 2013 a 2022 tendeu a instantes ingovernáveis e irreparáveis, ou se a estrada da política será pavimentada novamente e nos poupará de sacolejos em série. Confira o relatório completo do I-GOV de julho de 2023 aqui

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