Nos conflitos sempre haverá interesses descontentes, vencedores ou perdedores. Cabe ao julgador, apresentar a solução, sem influências das circunstâncias ou dos custos decisórios, a partir de hipóteses formais que lhe afastem de litígios em que seus interesses são presumidos (situações de impedimento e de suspeição), sendo formalmente impositivos tais limites institucionais a todos os membros da magistratura. Nessa perspectiva, como os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reagem a estes limites no exercício de sua atividade?
O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.341/DF, que tratou da autonomia dos entes federados para legislar e adotar medidas sanitárias de enfrentamento à pandemia, tem sido analisado em razão de uma possível mudança de orientação do Tribunal quanto ao desenho da federação, mas um aspecto importante passou despercebido: a suspeição levantada pelo ministro Roberto Barroso.
Neste julgamento, Barroso alegou a própria suspeição por motivos de foro íntimo, afirmando, no entanto, que já havia estudado o processo e preparado o seu voto, incluindo considerações sobre as necessárias racionalidade e cooperação entre os entes estatais no combate à pandemia. Porém, em virtude de fato superveniente, o ministro afirmou que deveria se abster de julgar, ainda que pudesse fazê-lo em outros processos sobre o mesmo tema.
De acordo com precedentes do STF, nenhuma contestação sobre parcialidade poderia ser admitida nos julgamentos de ações de controle concentrado, pois, nestes casos, seria inaplicável a alegação de impedimento e/ou de suspeição de ministro, já que, em termos pragmáticos, caso consideradas, seria possível chegar à situação da inexistência de quórum suficiente para decidir as questões do conflito constitucional (ADI 6.362/DF). Entretanto, em reserva, asseguram que os ministros podem deixar de participar de julgamentos em revisão judicial abstrata por motivos de foro íntimo, tal qual ocorreu com Barroso.
Especificamente, destaca-se Barroso ter dito expressamente que já havia preparado o próprio voto e só então decidido pela sua exclusão do julgamento. Embora tal fato não tenha sido exposto na ocasião, é provável que tenha ocorrido em razão da admissão da Federação Brasileira de Telecomunicações (Febratel) no processo, uma semana antes, representada por escritório que sucedeu a banca de Luís Roberto Barroso, em 2013, quando este foi nomeado ao Supremo.
Conforme já apontado em pesquisa (Carvalho, Imagens da imparcialidade: entre o discurso constitucional e a prática judicial, 2017), desta situação alguns problemas podem surgir: 1) a amplitude da margem de escolha sobre o grau de subjetividade impede a construção de critérios claros a partir dos quais se possa identificar quando um ministro é parcial ou não; 2) a avaliação acerca da posição do julgador diante do tema, partes e advogados no julgamento fica ao exclusivo crivo pessoal do ministro.
Rejeitar a discussão sobre a parcialidade nestes julgamentos confere aos ministros a livre escolha sobre quais casos querem ou não julgar, uma vez que a noção de imparcialidade passa a ser estrategicamente utilizada pelos ministros e habilita-se como mais uma das possibilidades de autocontenção judicial sobre temas que o julgador deseje evitar diante de eventuais custos políticos.
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