Artigo

Estúpidos ou bandidos? Uma teoria

Humberto Dantas
é cientista político, doutor em Ciência Política. Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Humberto Dantas
é cientista político, doutor em Ciência Política. Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Um amigo me surpreende dia desses com a pergunta: “Você conhece as leis fundamentais da estupidez humana?”. Achei que era alguma pegadinha, que eu estava prestes a cair em algo para lhe gerar boas risadas. Desconfiado, respondi que não. Dias depois, o livro de Carlo M. Cipolla chegava à minha casa – As Leis Fundamentais da Estupidez Humana (Editora Planeta). A leitura foi rápida. Menos de cem páginas devoradas num voo entre São Paulo e Curitiba. Algumas risadas, e as pessoas ao lado olharam desconfiadas. A obra é bem-humorada, ácida, e, infelizmente, faz sentido. Vou resumir alguns pontos.

Cinco são as tais leis fundamentais da estupidez humana: 1) todos subestimam o total de estúpidos numa sociedade; 2) a probabilidade de alguém ser estúpido independe de qualquer outra característica; 3) um estúpido provoca perda para os outros sem ganhar algo para si; 4) os não estúpidos subestimam o poder de estrago dos estúpidos e; 5) uma pessoa estúpida é mais perigosa que um bandido. Estou falando de um livro escrito nos anos 70 do século passado por um professor de Berkeley agraciado com diversos prêmios em sua carreira. Ele faleceu em 2000.

Trata-se, portanto, de alguém que não viveu os tempos atuais. Não viu 2013, não acreditou na nova política, não se disse diferente diante do ódio alheio e da falta de responsabilidade que insistimos em ter sobre o universo público. Os problemas eram outros, e existiam. Tanto que ele percebeu que, talvez, muitos desses desafios fossem criados pelos estúpidos.

Cipolla não viveu com intensidade a era das redes sociais, da comunicação em massa em ambiente virtual. Tivesse passado por isso, certamente, reveria alguns pontos de suas leis fundamentais, sobretudo no que diz respeito às consequências e aos impactos dos estúpidos sobre os outros. Hoje, as leis 4 e 5 merecem mais atenção, e a primeira lei, à luz da realidade política brasileira, está prestes a nos mostrar que já não temos mais como subestimar a estupidez, pois somos vítimas absolutas dela. A questão presente, diante das eleições de amanhã, é compreender se vamos conseguir reverter o domínio da estupidez. Errar é humano, a estupidez também. Persistir no erro é burrice, uma estupidez absoluta.

Voltemos ao livro: o autor nos diz que os estúpidos são mais danosos que a máfia, o complexo industrial-militar e o comunismo internacional. Esses dois últimos exemplos parte da narrativa estúpida de grupos que nos representam, o primeiro algo bastante presente na realidade atual, bastando trocar a palavra máfia por milícia, seu sinônimo tropical. Danosos, de acordo com sua teoria, porque agem sem chefe, sem estatuto e, ainda assim, operam em uníssono. Realmente, Cipolla escreveu isso em outro tempo. As redes sociais, diria um conterrâneo seu, Umberto Eco, abririam a tampa do esgoto. E aparentemente conseguiram organizar a estupidez, ou, ao menos, dimensioná-la de forma menos envergonhada e mais transparente em grupos e mensagens.

O autor vai afirmar que, no cotidiano, perdemos dinheiro, tempo, energia, alegria e apetite pela ação improvável de criaturas que nos causam o mal. Estas, provavelmente, são estúpidas. Que geram danos, por meio de suas ações, a si mesmas. Esta é a questão central da estupidez: o agente da ação ferra o outro e se ferra. E não é complexo compreender o quanto o poder aumenta o potencial de esse sujeito causar problemas. Assim, quando elegemos um estúpido, pagamos caro pelas perdas “incalculáveis para a humanidade”. O que seria capaz de nos salvar?

Para Cipolla, se existe um número elevado de estúpidos em qualquer sociedade, também há pessoas inteligentes. Mas “em um país em declínio, a fração de pessoas estúpidas ainda é igual a X (…). E a mudança na composição da população não estúpida reforça inevitavelmente o poder destrutivo da fração X, e faz do declínio uma certeza”.

Estamos aqui. Os estúpidos prosperaram, o declínio é evidente. Durante a pandemia, a estupidez matou milhares de pessoas a mais do que deveríamos ter perdido. Mas, utilizando um exemplo dentre as milhares de atitudes às quais assistimos desde que resolvemos eleger a estupidez, o mal causado por parte daqueles que estão no poder lhe causa mal também? As pesquisas não mentem: o atual presidente é ruim para si mesmo, por conta de suas atitudes estúpidas. Será mesmo?

Pergunta final, olhando para a lei 3: o presidente causa mal a si ao causar tantos males aos outros? Se a resposta for um “perde-perde”, estamos diante da categoria de “estupidez” de Cipolla. Mas o livro diz que, quando um sujeito causa o mal e se beneficia dele, não estamos mais diante de um estúpido, mas sim de um bandido. Um estúpido, de acordo com a lei 5, é mais perigoso do que um bandido. Já fomos governados por bandidos, o pobre senso comum tem que isso caracteriza todo político, e contra estes bastaria a justiça. A justiça, em tese, barra o bandido – a não ser que ela seja estúpida ou igualmente bandida. Mas a lucidez, o cuidado e a inteligência podem atenuar o efeito dos estúpidos. Acabam com eles? Nunca. Volte à lei 1, olhe a 2: estúpidos sempre existirão. O segredo não é acabar com a estupidez, mas evitá-la e não a subestimar. E o desafio é entender se quem está no poder é estúpido ou bandido – utilizando-se, sem ofensas pessoais, da teoria de Cipolla.

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