Um excelente texto do filósofo James Rachels (1941–2003) começa com a história de Giges, um pastor pobre que encontrou um anel mágico numa fenda aberta por um tremor de terra. Giges descobriu que ficava invisível se colocasse o anel no dedo e o rodasse. Isso permitia-lhe fazer aquilo que todas as pessoas podem apenas sonhar: ir para qualquer lugar e fazer o que bem quisesse, sem receio de ser apanhado. Usou o poder do anel para enriquecer, roubar o que queria e matar quem quer que atravessasse o seu caminho. Por fim, invadiu o palácio real, onde seduziu a rainha, matou o rei e se apossou do trono.
Esta lenda coloca, com muita clareza, a questão da impunidade. Será que não agiríamos como Giges se tivéssemos certeza de que ficaríamos impunes de qualquer dos nossos atos, mesmo que eles fossem imorais e ilegais? Esse raciocínio vale para todas as situações, desde ultrapassar o limite de velocidade em uma rodovia, porque temos certeza de que não há nenhum radar próximo; colar em uma prova, porque o professor não está olhando; ou sonegar impostos, contando com a probabilidade de não cairmos na malha-fina. Vale também para crimes de maior impacto, como aqueles envolvendo violência e corrupção, ativa ou passiva.
A maioria das pessoas tem um compasso moral muito flexível. Julgamos os outros com muito maior rigor do que a nós mesmos. Sempre encontramos uma boa justificativa para os nossos atos. Somos, na grande maioria, utilitaristas; acreditamos que “os fins justificam os meios”.
O primeiro conjunto de regras, que a maioria de nós aprendeu, foram os Dez Mandamentos (alguém se lembra de todos?). Eles se dividem em dois grupos distintos, os quatro primeiros tratam da relação dos homens com Deus e os outros seis estabelecem regras de conduta em relação ao próximo. Vou destacar três, enunciando-os de uma forma simplificada: não matar, não roubar e não mentir. Vou me fixar no mandamento “não roubar”.
Nas minhas aulas de Ética Empresarial, questiono meus alunos se eles sonegam; muitos, de uma forma muito sincera, confirmam que sim. Quando pergunto se sonegar é roubar, muitos também afirmam que sim. Ninguém é a favor de roubar, então, por que sonegar? As explicações convergem para uma conclusão defendida por eles: “Eu sonego porque a carga tributária é muito alta, e os recursos arrecadados ou são desviados pela corrupção, ou são muito mal aplicados”. Essa justificativa, de alguma forma, conversa com a lenda do pastor Giges. As pessoas contam com uma possível impunidade para agir segundo as suas regras particulares.
Eu não provoco os meus alunos apenas para irritá-los. A minha provocação é sempre no sentido de perguntar como, juntos, podemos construir uma sociedade melhor – que só pode ser construída com base em um contrato social que todos respeitem. É claro que a discussão de como esse contrato deve ser construído, para que atenda a todos os interesses de uma forma justa e harmônica, faz parte de um outro debate, muito mais complexo.
Eu gosto muito desta definição simplificada: “Ética é a tentativa de se determinar quais regras devem governar a conduta humana”. Existe uma música muito linda, do grande Tom Jobim, que começa com o seguinte verso: “Se todos fossem iguais a você”. Termino este pequeno artigo com esta pergunta: se todos se comportassem, eticamente, da mesma forma que você, teríamos um Brasil melhor?
Quando a maioria dos nossos empresários puder responder a essa pergunta de maneira crítica e sincera, com um sonoro “sim”, talvez possamos afirmar que vivemos em uma sociedade ética.
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