As relações entre Executivo e Legislativo ao longo de quase dois anos de governo Bolsonaro têm muito a nos dizer. Ao que tudo indica, o presidente fala como nunca, articula como sempre, legisla como todos e perde como nenhum outro. Assim, sua natureza pouco colaborativa é uma coisa, e sua atitude de bastidor, outra. Como pode um sujeito odiar os partidos e receber convites para se filiar a legendas emblemáticas de tudo o que diz desprezar, como PTB e MDB? Como pode ser avesso ao “Centrão” e, ao mesmo tempo, liderado no Senado, pelo MDB, e na Câmara, pelo PP, por meio de agentes nomeados por ele? Como pode desprezar aliados e recriar um ministério para entregá-lo a um deputado de família política imersa em corrupção? O discurso de Bolsonaro caminha a léguas de suas atitudes para se manter no poder. A questão central é entender se faz isso porque é empurrado pelas instituições ou se não passa de um populista.
Se, no campo das palavras, esse é o comportamento, como fica a relação formal do presidente com o parlamento? Dados apresentados pela cientista política Joyce Luz indicam que, em comparação a seus antecessores em igualdades temporais – portanto, emparelhado aos primeiros 22 meses de Fernando Henrique, Lula e Dilma –, Bolsonaro tentou legislar tanto quanto
os demais. Nos discursos que apelam para o “tamanho da caneta”, foram apresentadas quase 140 medidas provisórias. Apenas Lula chegou perto, com 121. Fernando Henrique e Dilma ficaram em cerca de 60 cada. Nas demais modalidades de matérias parlamentares, o atual presidente fica muito aquém – o que indica, sem grande rigor analítico, que eles se equivaleriam.
Diante dos resultados, Bolsonaro busca legislar como todos, mas a questão é saber se colhe bons frutos. A cientista política Luciana Santana nos dá uma resposta, em artigo publicadono blog Legis-Ativo, em agosto. Presidentes têm a prerrogativa de vetar parte da produção legislativa que lhe é encaminhada para sanção, mas não existe veto presidencial que não possa ser derrubado pelo Legislativo, e apenas um grande alinhamento entre Congresso e Planalto evita isso. Pois bem: de Fernando Collor, em 1990, a
Dilma Rousseff, em maio de 2016, o Congresso Nacional derrubou 21 vetos presidenciais num universo superior a 1,1 mil matérias barradas. Bolsonaro apresentou, até meados de agosto, 72 vetos – e teve 28 deles derrubados. Resta saber se isso ocorre porque hoje é muito mais difícil governar por causa da fragmentação partidária, por exemplo, ou se decorre da falta de habilidade do Executivo.
Com base nessa percepção, restaria avaliar qual parte desses vetos foi declarada por discordância real e qual foi declarada já se prevendo a derrubada pelo Congresso. A lógica de se eximir de culpa pelas decisões que são impopulares (porém, inescapáveis) é comum entre deputados em instâncias de accountability coletiva. Bolsonaro se deu conta de que pode aplicar essa lógica de accountability coletiva a suas decisões individuais, ou seja, age como um parlamentar que não produz bons resultados para o seu eleitorado por falta de capacidade de articulação e construção conjunta – e culpa os demais deputados por suas derrotas. O presidente não está disposto a rifar sua popularidade e assumir posicionamentos necessários, ignora que é chefe de governo e de Estado e se beneficia da onda da antipolítica que simboliza e ajuda a reforçar.
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