A diversificação das fontes de poder e influência nas coisas do Estado é fundamental para conter ações autoritárias e caminhos autocráticos. A divisão de poderes não se esgota na questão administrativa de divisão de funções entre Executivo, Legislativo e Judiciário; é preciso que haja grupos com interesses conflitantes que disputem pela direção estatal e que fiscalizem a atuação dos rivais. Coube aos partidos políticos exercerem esta função de restringir o escopo de atuação do grupo escolhido para gerir os recursos do Estado. No nosso caso, o grupo do presidente da República.
É, portanto, sintomático que antes de o Ato Institucional Nº 5 restringir os direitos civis e políticos em 1969, a ditadura militar, já em 1965, havia se dado conta de que a dissolução dos partidos políticos seria inescapável para o governo autocrático que se formava. Por mais impopulares e deslegitimados que sejam no Brasil, os partidos políticos são instituições inescapáveis para o Estado liberal, antes mesmo de se pensar no critério democrático. Ao forçar o fechamento dos partidos políticos e a dissolução de suas estruturas, a ditadura artificializou a criação de dois grupamentos, um a favor e outro contra o governo. De 1965 a 1979, vivemos o que se convencionou chamar posteriormente de “bipartidarismo forçado”.
A Reforma Eleitoral de 1979 permitiu aos grupos resgatar as legendas do período democrático anterior e organizar as que surgiram já durante os anos de ditadura. A reabertura política culminaria com a promulgação da “Constituição Cidadã”. O que veio depois foi um processo de consolidação e multiplicação das legendas recém-formadas. Os amplos incentivos, sobretudo financeiros, para formação e funcionamento dos partidos fizeram com que estes se multiplicassem e se mantivessem sem levar em conta um critério mínimo de eleitos. A barreira mínima para um partido conseguir representação nas casas legislativas, à exceção do Senado Federal, foi por muito tempo o quociente eleitoral.
Mesmo este critério mínimo poderia ser “institucionalmente burlado” por meio do instituto da coligação eleitoral. Os partidos coligados funcionavam como um único partido para fins eleitorais e ajudavam na sobrevivência dos pequenos que aproveitaram o período de relativa facilidade de criação de novas agremiações. É bom que fique claro que muito mudou nesta seara, e as restrições institucionais à criação de novos partidos, atualmente, são consideráveis, tanto se comparadas a outros períodos quanto a outros países.
Ainda não entendemos completamente a profundidade e a abrangência das mudanças aprovadas pela Câmara dos Deputados em 2017. Ao salvar os pequenos partidos, programáticos ou não, as coligações prejudicavam fundamentalmente o cumprimento da vontade do eleitor e dificultavam a governabilidade. Ao pensar as instituições e o Estado brasileiro hoje, nada é motivo maior de felicidade e traz tantas boas perspectivas de futuro quanto poder falar das coligações com o verbo no passado. Associado ao fim destas uniões, estabelecemos também uma representação mínima na Câmara dos Deputados para o recebimento de recursos públicos, uma cláusula de desempenho que não extingue os partidos que não a alcançam, mas que não incentiva financeiramente a existência de legendas artificiais.
O fim das coligações eleitorais e o estabelecimento de um porcentual mínimo de representação partidária para recebimento de verba pública foi, talvez, a principal modificação no sistema partidário brasileiro desde 1979. Os reflexos na diminuição no número de partidos com representação nas casas legislativas municipais já foram visíveis no primeiro pleito após as modificações, especialmente nos municípios menores. Nesta semana, o Senado rejeitou a proposta da Câmara dos Deputadas, embasado num excelente relatório da relatora Simone Tebet (MDB/MS).
Nesta mesma semana, foi derrubado o veto presidencial ao projeto que criou o instituto das federações partidárias. Cabe esclarecer a diferença entre as federações e as coligações. A primeira é o caráter nacional da federação, isto é, não será possível o uso eleitoral de coligações regionais e locais. Os partidos que decidirem integrar a federação precisarão considerar que as repercussões do acordo serão nacionais. Este estímulo reduz os incentivos de alianças pouco ideológicos de nível local. A segunda diferença é o período pré-fixado. As agremiações precisarão manter as estruturas partidárias amalgamadas por um período mínimo de quatro anos, aplicadas todas as normas de fidelidade partidária.
Toda reforma é carregada de incertezas e, assim como não é possível prever a totalidade das estratégias possíveis de um jogo qualquer somente pela enumeração das regras, também não é possível ter clareza das possíveis repercussões do instituto da federação partidária. Se ainda é cedo para dizer se as federações partidárias serão o melhor para o Brasil, já sabemos que as coligações eram o desenho institucional da sobrevivência do patrimonialismo e que ela foi rejeitada por meio das instituições representativas. Há motivos para comemorar.
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