Artigo

Formação de professores no Brasil

Ana Cristina Gonçalves de Abreu Souza
Pedagoga, mestra e doutora em Educação e líder do grupo de estudos e pesquisa Formatio: Processos na Formação e Profissionalidade Docente.
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Ana Cristina Gonçalves de Abreu Souza
Pedagoga, mestra e doutora em Educação e líder do grupo de estudos e pesquisa Formatio: Processos na Formação e Profissionalidade Docente.

Formar professores no Brasil exige consciências histórica e epistemológica (Saviani, 2009)[i] que emergem de lutas constantes em que os interesses se manifestam e tornam o processo desafiador e exigente. Movimentos esses embalados pelas lógicas econômicas que revelam, muitas vezes, o interesse no lucro que geram a grupos empresariais, desviando-se, assim, da construção de uma escola pública de qualidade.

Compreender a formação de professores exige profundos arcabauços teórico e prático Libâneo, 2013)[ii], (Schön, 2000)[iii], (Imbernón, 2009)[iv], (Nóvoa, 2017)[v], em que se contextualiza um processo complexo e permanente o qual não se desenvolve de maneira operacional, técnica, com receitas pedagógicas prontas, mas exige planos e projetos que envolvam políticas públicas e ações de gestores e formadores que assumam essa importante tarefa no compromisso em que a educação pública de qualidade seja, de fato, prioridade.

Na diversidade das concepções educacionais que compõem a compreensão do que é formar professores, podemos apontar algumas diretrizes as quais resultaram na arquitetura do que se quer promover com a educação pública, bem como os desdobramentos da formação de crianças, jovens, adultos e idosos, reconhecendo que a atuação docente é transversal e perpassa por todas as faixas etárias.

Após o golpe de 2016, as ações de desmonte no campo da formação docente ascendeu reformas como a do novo ensino médio, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)[vi] e a Resolução CNE CP 02/2019[vii],  que se incorporaram a programas educacionais numa marcha que se efetiva à revelia dos movimentos pela qualidade da educação, pelas instituições de pesquisa (Andifes, Anpes, Anfope) e pelos profissionais e pesquisadores (Abreu Souza, 2021)[viii]  que estudam o campo, emergindo, então, ações autoritárias que se estabelecem na desconsideração do que já havíamos avançado em termos de legislação brasileira, conforme Resolução CNE 02/2015,  para a garantia da qualidade dos processos educativos.

Neste artigo, vou me ater a trazer alguns aspectos referente à Resolução 02/2019, com o objetivo de evidenciar um processo — encadeado pelo governo de extrema direita — que organiza a fragilização da oferta de formação nos cursos de licenciatura no Brasil, reduzindo a compreensão do que é formar professores e todo o seu processo.

A Resolução CNE 02/2019 impõe um desmonte nos currículos dos cursos de licenciaturas, ou seja, dos cursos que formam professores no Brasil; um ataque frontal à qualidade da formação que revela a lógica da compreensão da docência, reduzindo-a a um ato técnico e esvaziando os conhecimentos de gestão e pesquisa nos currículos. Isso limita as licenciaturas a operacionalizar os currículos com foco na BNCC.

Destaco alguns pontos importantes para se afirmar o ataque que essa resolução impõe à formação dos professores no Brasil. Alguns deles:

processo antidialógico: em sua elaboração, desconsidera a participação de entidades, instituições e pesquisas que reverberam o campo;

equivocada concepção de currículo para a formação docente: silencia a importância dos conhecimentos ligados aos processos de pesquisa e gestão, o que reduz o ofício docente à tarefa de execução da BNCC, excluindo saberes e fazeres reflexivos da atuação profissional dos professores;

ruptura da formação inicial com a continuada: ignora importantes avanços conquistados pela Resolução 02/2015, o que resulta em retrocessos;

centralidade do currículo na BNCC: transforma o ofício docente num repertório de obediências prescritas na BNCC;

– ausência da compreensão da educação voltada à diversidade: na resolução, não há referência aos conhecimentos ligados a direitos humanos e diversidades religiosa, sexual e étnico-racial, bem como silencia as garantias das pluralidades constituídas na nossa sociedade.

As conjunturas aqui apresentadas nos provocam a continuar a luta, com atitude consciente, crítica e democrática, o qual resulta da união de educadores, pesquisadores, gestores e políticos que, na compreensão e na evidência do desmonte das políticas públicas de formação docente no Brasil, se movimentem pela revogação da Resolução 02/2019.


[i] SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Vol. 14, nº 40, jan./abr. de 2009.

[ii] LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2013.

[iii] SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.

[iv] IMBERNÓN, F. Formação permanente do professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009. 

[v] NÓVOA, A. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, 47, 166, págs. 1.106–1.133, 2017.

[vi] BRASIL, Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília, MEC, 2018a. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase. Acesso em: 7 de julho de 2023.

[vii] BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 02/2019, de 20 de dezembro de 2019. Define as diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial de professores para a educação básica e institui a Base Nacional Comum para a formação inicial de professores da educação básica (BNC Formação). Brasília, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, seção 1, pág. 142, 20 de dezembro de 2019. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2019-pdf/135951-rcp002-19/file. Acesso em: 7 julho 2023.

[viii] ABREU SOUZA, A.C.G. Participação docente nas políticas públicas brasileiras: um salto necessário. Brasilia (DF): Revista de Política e Cultura. Fundação Astrojildo Pereira, 2021.

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