Artigo

França × França

Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.
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Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.

A França ama o Brasil. A avaliação foi feita por um ex-embaixador francês que serviu em Brasília por cinco anos, entrevistado por mim durante uma pesquisa sobre o status internacional do Brasil, em 2018. Apesar de todo este sentimento positivo, o ministro brasileiro das Relações Exteriores foi esnobado pelo governo francês em uma viagem a Paris na semana passada. Por mais que o Itamaraty tenha solicitado um encontro de Carlos França com um representante do governo de Emmanuel Macron, nenhuma reunião do tipo aconteceu.

O episódio ganha relevância por parecer uma revanche francesa ao tratamento ofensivo do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, por ocasião da visita do ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, há dois anos. Bolsonaro cancelou um encontro que tinha agendado com o representante francês para aparecer no mesmo horário em uma live em que seu cabelo era cortado – o que foi considerado uma desfeita pelos franceses.

O caso de 2019 e a recepção fria do brasileiro na última semana evidenciam o mau momento da relação entre os dois parceiros históricos, desde que Jair Bolsonaro chegou à Presidência da República. Desde a eleição de Jair, o Brasil foi criticado pela França, reagindo de forma ríspida, chegando a ofender a primeira-dama francesa.

A França de Macron se encaixou bem no papel de “adversário” que a ideologia de extrema-direita inventa para as relações internacionais de países de governos populistas e tendências autoritárias. Por mais que o chanceler brasileiro tente, desde que assumiu o cargo, em março, desfazer a percepção de que o Itamaraty se converteu em um bastião ideológico do bolsonarismo, o legado de Ernesto Araújo continua afetando a capacidade do País de se projetar internacionalmente.

Apesar desse mau momento, França (o ministro) disse acreditar que as relações entre Paris e Brasília ainda se mantenham em um “nível ótimo” e sem “problema nenhum”. A considerar pelo histórico de proximidade entre ambas as nações, ele até pode ter razão. O diplomata francês ouvido, em 2018, ressaltou que os dois países sempre tiveram uma amizade, uma parceria sólida, baseada em uma forte relação econômica na qual o Brasil fornece recursos naturais, e a França a sofisticação – “numa combinação que é um casamento excepcional”.

A avaliação positiva de longo prazo é mais assertiva do que a tensão atual. Entretanto, o afastamento entre os dois países não decorre somente da relação tensa entre Bolsonaro e Macron, tendo se originado em decorrência da instabilidade e das crises que enfrentamos desde 2013. A situação doméstica, ao longo de quase dez anos, diminuiu a inserção do Brasil em relações internacionais, esfriando até mesmo a relação com parceiros históricos e que amam o País.

“O Brasil precisa corrigir seus problemas internos para poder se projetar internacionalmente. Os problemas sociais do País são as razões do seu fracasso em se tornar um modelo global”, disse o ex-embaixador.

Esta avaliação é uma constante no olhar externo em relação ao Brasil. Ela indica que o dano causado por Araújo e a guinada conservadora no Itamaraty é grande – e precisa, de fato, ser revertido. Todavia, este não é o único problema nacional. Para conseguir ampliar presença no debate global e ter uma voz ativa e forte, o Brasil precisa de um bom nível de desenvolvimento interno, visto como base para a construção do seu papel no mundo. “O Brasil precisa ser mais aberto e corrigir seus problemas sociais. A projeção internacional seria um resultado disso”, avaliou o diplomata francês.

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