Artigo

George Washington à brasileira

Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

George Washington pertencia a uma família de fazendeiros ricos da Virgínia, cuja fortuna foi amealhada pela comercialização de tabaco cultivado em suas vastas propriedades e por uma habilidosa especulação fundiária. Os Washington aterraram na América pelos pés do bisavô de George, em 1656. Ao deixar a pequena vila de Sulgrave, no condado de Northamptonshire, na parte central da Inglaterra, John, o seu antepassado, lançou os braços sobre o vasto território da colônia para agarrar a promessa de uma propriedade. Estabelecida em 1607-1608, a colônia da Virgínia foi generosa, permitindo-lhe acumular cerca de 2 mil hectares de terras, recursos que os seus herdeiros, de muito bom grado, receberam e ampliaram.

Primogênito de seis irmãos, George veio ao mundo em 1732, rodeado de abundância. Mesmo sem receber educação formal, graças ao que aprendeu numa igreja episcopal da região e por conta própria, tornou-se um homem letrado e com notável talento para a cartografia. Como muitos jovens da elite rural, George se juntou à força armada, a milícia da Virgínia, já no posto de major responsável por um batalhão. Em pouco tempo, mostrou ser um comandante habilidoso, levando a cabo difíceis negociações em disputas de território com os franceses e os iroqueses [grupo nativo norte-americano que vivia em torno das regiões dos Grandes Lagos, no Canadá, e no nordeste dos Estados Unidos]. Promovido a tenente-coronel, em 1754, atuou com destaque na conhecida Guerra Franco-Indígena, que foi o palco local da guerra dos sete anos. Ficou nisso até 1763.

A partir de 1765, George se alinhou com os que se opunham às leis e taxações da Coroa contra os interesses coloniais. Ao eclodir a revolução de independência, em 1775, foi nomeado comandante em chefe do exército continental, a força armada dos revolucionários. Tal incumbência foi-lhe conferida por John Adams e o primo, Samuel Adams – ambos viriam a ser membros do seleto grupo dos “pais fundadores” da república, juntamente com o próprio George.

Vitoriosa a revolução, George Washington se envolveu vividamente no debate público a respeito do desenho constitucional a ser adotado no novo país federativo. Chegou à Filadélfia em 1787, pronto para tomar parte na convenção que, de início, deveria reformar os artigos da Confederação, mas que resultou na formulação da constituição norte-americana. Herói revolucionário, George foi escolhido, por aclamação, para presidir os trabalhos constituintes. Concluída a convenção, foi eleito presidente da República, tornando-se o primeiro a ocupar o cargo de um modelo institucional inovador que ele mesmo ajudou a parir: o presidencialismo.

Véspera do Natal de 2022. George Washington foi preso em Brasília. Do auge dos seus 54 anos pura obscuridade política, este George Washington (o de Oliveira Souza) estava a ponto de detonar uma bomba nas imediações do Aeroporto Internacional do Distrito Federal, em Brasília. Gerente de posto de gasolina, este George não poderia ser mais explosivo. “Estou preparado para a guerra”, disse. Mas que guerra, George? Independência? Construção da república? Reconstrução da república? Implantação de uma república militarista? Milenarista? Militarista milenarista? Destruição da república? Não sabemos ao certo, mas vestígios apontam para uma “luta” pela “dependência” nacional ao “Quarto Poder”: o “Militar”.

Por fim, não propriamente uma “guerra”, mas um arremedo de “guerra”, de fato, ocorreu no dia 8 do mês seguinte, quando uma multidão tão ensandecida quanto poderia cogitar Gustave Le Bon invadiu e destroçou os espaços institucionais da nossa frágil república. STF, Palácio do Planalto e Congresso Nacional foram todos violados, linchados e, como se isso não bastasse, escrachados.

Revolução colorida fracassada ou estrategicamente projetada para fracassar, essa “guerra da dependência”, obviamente, contou com a complacência de parte dos agentes e dos comandantes das forças de segurança. Mais do que tudo, como não poderia deixar de ser, essa aloprada “guerra da dependência” contou com incentivos, apoio e ação de membros do alto comando das Forças Armadas.

Sim, nesta “revolução da dependência”, George Washington (o de Oliveira Souza) foi um mero “soldado” de quinta categoria, bem como quase todos os demais componentes “quintas-colunas” deste “exército” zumbificado pelo transe psicótico coletivo que arrebatou milhares e milhares de brasileiros nos últimos anos. Nada disso explodiu por combustão espontânea; alguém está no painel de controle apertando os botões que promovem o “show”. Estes comandantes usam os georges e os washingtons brasileiros para manter a república refém dos projetos e interesses do Poder Militar.

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