O Brasil está vendo uma presença crescente e preocupante de militares no poder. Vários oficiais superiores, ativos e da reserva ocupam cargos ministeriais sob o governo atual, enquanto ministérios e outras instituições públicas são ocupadas por oficiais das mais diversas patentes. Esta militarização do espaço público tem chamado a atenção da academia e da sociedade civil, que questionam as implicações potenciais de tais níveis de militarização dentro de um regime democrático, especialmente em um país ainda sob a sombra de um regime militar (1964-1985).
O envolvimento militar na política brasileira, no entanto, remonta às origens da própria República. Além disso, durante todo o século 20, as Forças Armadas tiveram um papel político não necessariamente relacionado a assuntos de defesa no País. Esta relação teve um impacto na maneira como se desenvolveram as relações civis-militares e no próprio entendimento do que são e para que servem as Forças Armadas.
O fato de que as Forças Armadas brasileiras são empregadas como executores de uma série de políticas públicas que deveriam estar nas mãos de atores civis (aqui, refiro-me tanto a ações de distribuição de água no Nordeste, atendimento médico na Amazônia e resposta a catástrofes e desastres naturais, como até mesmo de polícia e segurança pública) provoca uma falsa percepção sobre o que deveria ser realmente sua função em democracias modernas. Para esta compreensão, remeto ao artigo de Raphael Lima, “Afinal, para que servem as Forças Armadas?”, publicado pela Problemas Brasileiros.
A literatura e as pesquisas sobre a história da organização, o regime militar brasileiro, a redemocratização e as relações civis-militares no Brasil estão consolidadas e robustas. Especialmente nos últimos anos, uma comunidade de estudiosos vem criando um repertório de estudos substanciais sobre estes temas. Com o objetivo de promover uma abordagem multidisciplinar para entender a presença generalizada dos militares na arena política brasileira – com base em uma perspectiva histórica mais ampla –, criamos, no King’s Brazil Institute, e em cooperação com universidades brasileiras e portuguesas, o projeto de pesquisa The Military in Politics in Brazil.
O projeto procura realizar uma análise abrangente e multidisciplinar da percepção pública dos militares, desde o início da República brasileira até os dias atuais. O objetivo é responder a algumas perguntas fundamentais: o que significa ter as Forças Armadas no centro da trajetória e na construção histórica de uma nação? Como a presença de tal entidade influencia o imaginário social de um povo? Quais são os impactos da presença militar na política, no Brasil? Como podemos entender as relações civis-militares no Brasil?
Para responder a essas perguntas, buscamos conectar os pontos entre vários períodos históricos, bem como articular diversas áreas, como a Ciência Política, as Ciências Militares, a História e a Sociologia, além da memória coletiva. O primeiro resultado da pesquisa foi uma conferência realizada nos dias 27 e 28 de maio deste ano, que contou com a participação de acadêmicos do Brasil, dos Estados Unidos e da Europa cobrindo temas como os impactos e legados da Segunda Guerra Mundial, os projetos militares para o Estado e a sociedade, as abordagens críticas para a compreensão do que são as Forças Armadas no Brasil, o imaginário social sobre os militares no Brasil e as instituições militares e as políticas internas e externas brasileiras.
Uma das conclusões da conferência – e o que motiva a continuação desse projeto – é que sem uma percepção holística sobre o fenômeno do envolvimento de militares no ambiente político, não seremos capazes de estabelecer parâmetros de relações civis-militares, tampouco definir propriamente qual é o papel esperado das Forças Armadas na democracia brasileira.
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