Artigo

Hermanos em alerta

Helga Almeida
é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Helga Almeida
é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Os argentinos, e talvez o mundo inteiro, deram um respiro de alívio na manhã de 23 de outubro de 2023. Não foi dessa vez que mais um político de extrema direita levou a presidência de um grande país. Javier Milei, o Bolsonaro portenho, tentará uma vitória em uma disputa de segundo turno contra Sergio Massa no dia 19 de novembro. Milei (partido La Libertad Avanza) ainda chega com desvantagem, já que obteve 30% dos votos no primeiro turno, enquanto Massa (partido Unión por la Patria) obteve 36% dos votos.

A força de Milei na Argentina nos deu gatilhos e soou novamente o sinal de alerta aos progressistas do planeta. Mais uma vez, viu-se a extrema direita ser escolhida como via política para grande parte do eleitorado, como aconteceu com Trump (Estados Unidos), Orbán (Hungria), Meloni (Itália), Bolsonaro (Brasil), Le Pen (França), entre outras(os). O mais surpreende disso tudo é que o modelo comunicacional extremista utilizado é o mesmo de sempre e ainda funciona muito bem. O discurso anti-instituições, antipolítica, conservador e que afirma que “temos de desconstruir muita coisa”[i], como disse Bolsonaro, continua ganhando corações.

Javier Gerardo Milei, economista, nasceu em Buenos Aires, em 1970. Por sua carreira, há atuações que chamam atenção, como a de professor universitário e de economista sênior do banco HSBC. Ele também tem o próprio programa de rádio, Demoliendo Mitos, que discute economia a partir de sua perspectiva ultraliberal.

Em 2021, Milei criou o próprio partido, o La Libertad Avanza — e podemos dizer que qualquer semelhança não é mera coincidência, dado que existe um quê de excentricidade, misturada com egocentrismo e voluntarismo que permeia todos os líderes desse espectro político. No mesmo ano, tornou-se deputado federal na Honorable Câmara de Diputados de la Nación (câmara baixa argentina).

No entanto, o grande susto que Milei deu nos argentinos, e em todos que acompanham política, aconteceu no mês de agosto de 2023, quando venceu o PASO (Elecciones Primarias Abiertas Simultáneas y Obligatorias). Importante ressaltar que as eleições primárias argentinas têm como objetivo selecionar os candidatos que competirão nas eleições gerais representando os principais partidos políticos. Foi no PASO que Milei mostrou que a sua força era maior do que muitos democratas calculavam.

Não que o candidato traga alguma novidade. Muito pelo contrário, segue a cartilha conservadora, tanto na forma como no conteúdo. Ele é grosseiro na fala e tosco no trato. Sempre mobiliza a polêmica como recurso polarizador e aglutinador e, quando tem a oportunidade de falar em público, traz pautas estapafúrdias e desumanizadoras — chegando a cogitar, por exemplo, a liberação de venda de órgãos humanos e a implantação de um mercado de adoção de bebês e crianças[ii].

No campo da economia, ponto delicadíssimo na Argentina, Milei tem se apresentado como anarcocapitalista. Assim, coloca a culpa dos problemas dos hermanos na conta dos governos, o que não deixa de ser verdade, mas dispõe como solução a redução total do papel do Estado na economia, inclusive já aventou que, em seu governo, o banco central será fechado, e a economia, dolarizada.

Milei, como Jair Bolsonaro, se coloca como servo fiel aos estadunidenses. Segundo o candidato, a sua vontade é estar alinhado com o “Ocidente”, e seus sócios serão Estados Unidos e Israel[iii]. Além disso, dando mais um check nesse “bolão do discurso da extrema direita”, o argentino declara que lutará contra o socialismo, que não faz negócios com comunistas e que todos aqueles dispostos a lutar contra a esquerda estarão ao seu lado. Para matar qualquer argentino do coração, Milei ainda declarou que vai acabar com as relações que o país tem com a China — que, no caso, é o maior parceiro comercial da Argentina.

Para fechar ao som de um tango triste, Milei também mobiliza todo um dicionário masculinista. O seu lema é “não vim guiar cordeiros, vim despertar leões[iv]. Ele mantém os cabelos para o alto e “atrapalhados” e diz que não os penteia[v], por isso, é chamado por muitos de seus jovens militantes de “El Peluca”. Em entrevista, disse que é adepto ao amor livre e professor de sexo tântrico. Além de tudo, o extremista (obviamente como era de se esperar) usa muito bem as mídias sociais, especialmente o TikTok, e conseguiu aglutinar uma militância digital fiel[vi].

Enfim, o que desejamos é que, no próximo dia 19, nossos hermanos não tenham o desprazer de sentir um amargo no fim do gole de seu Cabernet Malbec, como nós sentimos em 2018, no fim de nossa caipirinha. Que así sea. Amén.


[i] https://veja.abril.com.br/politica/temos-de-desconstruir-muita-coisa-diz-bolsonaro-a-americanos-de-direita [ii] https://www.brasildefato.com.br/2023/10/31/milei-faz-com-que-violencia-politica-volte-a-ser-possivel-na-argentina-diz-sociologa [iii] https://www.otempo.com.br/mundo/javier-milei-promete-retirar-argentina-do-mercosul-e-cortar-relacoes-com-a-china-1.3174431 [iv] https://cnnespanol.cnn.com/2023/10/22/quien-es-javier-milei-candidato-derecha-orix-arg/ [v] https://caras.perfil.com/noticias/celebridades/javier-milei-revela-la-verdad-sobre-su-peluca.phtml [vi] https://www.bbc.com/portuguese/articles/c725990rdkwo

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