Em 2021, em meio à pandemia, a professora Dra. Luciana Santana (Universidade Federal de Alagoas – UFAL) e eu entrevistamos, para a revista E-Legis, da Câmara dos Deputados, o professor Dr. Fernando Limongi (Fundação Getúlio Vargas – FGV), uma grande autoridade brasileira nas áreas de Estudos Legislativos e Institucionais. Naquele momento, estávamos interessadas em saber o que ele pensava sobre a atuação do Poder Legislativo no cenário de caos sanitário e político que o país vivia. Limongi foi, no geral, elogioso, mas quando perguntado a respeito do sistema de deliberação remoto adotado no nosso parlamento — e sobre a possibilidade de instauração de um sistema de deliberação misto no pós-pandemia —, fez uma observação que me chamou a atenção. Ele disse: “(…) a questão é se a deliberação formal ainda precisa ser preservada e guardada para que o escrutínio público continue. Porque é fato que todo esse processo remoto diminui a capacidade da cidadania e dos atores de acompanhar esse processo, houve uma concentração de poder enorme na mão do Maia e dos líderes partidários com o trabalho remoto[i]”.
Aquele sublinhar da importância da manutenção da deliberação formal para que houvesse a conservação da possibilidade do escrutínio público me marcou.
Bom, o sistema de deliberação remoto findou-se com a pandemia, mas, ao que parece, temos visto alguns problemas para a manutenção da boa deliberação no parlamento brasileiro e, especialmente, na Câmara dos Deputados. Esse fenômeno, a meu ver, tem acontecido como resultante do encontro de um sistema político com tendências personalistas e a lógica personalista comunicacional das mídias sociais.
Pensando nas variáveis estritamente políticas, sabemos que o voto é extremamente personalista no Brasil, o que faz com que eleitores pensem pouco no partido do candidato na hora do votar e escolha indivíduos isolados. Em segundo lugar, arrisco a dizer que, apesar de, regimentalmente, as lideranças partidárias da Câmara dos Deputados terem prerrogativas que as fortalecem e que, assim, geram centralização decisória e estabilidade política, frente à instituição das emendas do relator, em 2019, e à liberação de grandes quantias de orçamento para parlamentares individuais, os legisladores ganharam cada vez mais independência em relação ao partido, ao próprio Congresso e ao Poder Executivo. Isso acontece porque os parlamentares têm investido amplos recursos de forma direta em sua base eleitoral — e, mesmo com o Supremo considerando, em 2022, inconstitucional o “orçamento secreto”, ainda há brechas para que haja segredo em distribuição de tais verbas[ii].
No aspecto comunicacional, vemos parlamentares surfando muito bem nas mídias sociais, estabelecendo uma relação direta com os representados e desenvolvendo quase uma “tiktokização da representação”. Para o bem e para o mal, a lógica de diversos parlamentares é inserir recortes de suas falas nas mídias sociais e, assim, mostrar à ciberbase o seu trabalho no Legislativo (ressaltei essa questão no texto “Mídias sociais para a democracia e para a barbárie”, publicado aqui, na Revista Problemas Brasileiros[iii]). É óbvio que essa publicização das ações é louvável, mas isso feito a todo momento, e exacerbadamente, tem modificado os comportamentos de parte dos legisladores — que, cada vez, preocupam-se mais estritamente com a repercussão midiática das suas falas do que com se dedicar a uma produção legislativa de qualidade.
Em meio a todo esse contexto personalista algumas perguntas surgem então, se a verba é individual e se a relação com o eleitorado é cada vez mais individual, qual é o incentivo para o estabelecimento de um debate público no âmbito do parlamento? O que ganha o deputado que se esforça para manter discussões a partir de um senso de público? Vale a pena se dedicar a tentar estabelecer pontes de diálogo com seus pares no Congresso, se você pode apenas fazer um recorte de uma fala polêmica e postar na internet para manter o eleitorado cativo? Como pensar a coisa pública quando o deputado ao lado está falando absurdos sem sentido apenas para ganhar visualizações na internet?
A hipersonalização levará a política à morte.
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