Fatos recentes nos colocam diante do que pode ser o clima das eleições de 2022 se tivermos a polarização entre Lula e Bolsonaro a partir de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) – o tema foi tratado nesta coluna por Paulo Peres. O atual presidente da República vai repetir que o petista é ladrão, que mancha a história do País e é beneficiado pela Justiça. O ex-presidente vai rebater dizendo que foi vítima do “maior erro jurídico em 500 anos” e que, diante da pandemia, Bolsonaro agiu como um assassino.
Estes discursos já estão antecipados. Simpatizantes da esquerda, e outros brasileiros, estão chamando o presidente de genocida. Na Câmara do Rio de Janeiro, um vereador do PT se referiu assim a ele. Carlos Bolsonaro, filho do presidente e vereador na Casa, retrucou: “Canalha!”. O nível é esse. Ninguém será punido.
Mais recentemente, o influenciador Felipe Neto também chamou o presidente de genocida, e a Polícia Federal (PF) lhe bateu à porta – a Lei de Segurança Nacional tem sido mais usada para isso do que o Estado brasileiro tem se esmerado em combater a corrupção, afirmou o professor José Eduardo Faria em recente artigo no Estadão. Voltando à polarização: o que fez a Justiça quando Jair Bolsonaro taxou de “liberdade de expressão” os atos favoráveis à ditadura e ao fechamento dos demais poderes? Na defesa de Neto, famosos engrossaram o coro contrário ao presidente. Fernando Haddad desafiou: “Por que a PF não vem até minha casa?”. Clima tenso.
Em 2018, Bolsonaro levava para entrevistas o nome do ex-presidente Lula quase tatuado na palma da mão antes de sofrer o atentado de setembro. Chamou-o de “malandro”, “vagabundo” e “bandido”. Em 2019, bradou: “Canalha!”. Lula não fica atrás ao dizer que Bolsonaro é negacionista e governa para milicianos.
Saudade de 1989, quando o “desequilibrado” de Paulo Maluf e o “filhote da ditadura” de Leonel Brizola levaram o debate presencial ao ápice das ofensas pessoais? Pois é. Em eleição paulista bem mais recente, em debate sobre rodovias, Mercadante (PT) dizia que os pedágios assaltavam São Paulo. Alckmin (PSDB) defendia as “melhores estradas do País”, afirmando ser melhor cobrar do que matar as pessoas nas péssimas rodovias federais administradas pelo PT. Teria sido um ensaio para o radical?
Note que o tom vai subindo. E parece que vamos de roubar versus matar em primeira pessoa. O embate nos remete a algo bem mais sofisticado: uma reflexão filosófica capaz de contrapor o estado de natureza de Thomas Hobbes àquele de John Locke. O primeiro justificava o Estado como resultado de um arranjo capaz de arrefecer nosso semblante de natureza egoísta. O plural deste comportamento seria a guerra de todos contra todos em assassinatos em série – “o homem é o lobo do homem”. Só um enviado de Deus à Terra nos salvaria: um Mito, talvez, mas é exatamente essa uma das nomenclaturas atribuídas ao que está sendo chamado de genocida. Já o outro dizia que não somos tão ruins a ponto de matar, mas de roubar. E apenas um parlamento capaz de frear os ímpetos mais absolutos com leis nos levaria a atenuar esta vontade – não imagine um Executivo e um Legislativo em conluio pela subtração, algo que nos trouxe a Ação Penal 470, apelidada de “Julgamento do Mensalão”.
Estes dois pensadores nunca se digladiaram, apenas viam os indivíduos de formas diferentes, e o Estado, sob resultados distintos com base em tais percepções sobre a natureza humana. Mas sem qualquer requinte, Lula e Bolsonaro parecem reviver o que existe de mais rústico em matéria de convívio no pensamento dos contratualistas aqui expostos: o “assassino” versus o “ladrão”. E isso nos leva a algo bem menos sofisticado sobre 2022. Um sentimento de que reeditaremos na política o patético e anedótico Freddy versus Jason. Uma comédia de horror de oitava categoria no qual, aos olhos da democracia, os dois são monstruosos e quase imbatíveis.
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